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Mudança climática vai afetar geração de energia no Nordeste

Segundo UFRJ, calor aumentará consumo em 8% no país e diminuirá produção de hidrelétricas do São Francisco em 7,7%. Para José Goldemberg, dado mostra que o País não pode mais fingir que problema não existe; previsão vale para o fim deste século

As mudanças climáticas previstas para as próximas décadas prejudicarão mais a produção de energia na região Nordeste. Esta é uma das principais conclusões de um estudo da Coppe/UFRJ, que procura medir o impacto dos efeitos climáticos sobre a produção de energia a partir de fontes renováveis no período de 2071 a 2100. O Nordeste sofrerá efeitos na geração de energia hidrelétrica, eólica e na produção de biodiesel.

A pesquisa foi patrocinada pelo Reino Unido por meio do Global Opportunity Fund e faz parte do projeto de uso dos cenários de mudanças climáticas para estudos de vulnerabilidade e adaptação no Brasil e na América do Sul. Os pesquisadores ressaltam que, em razão do grande número de incertezas e da necessidade de bases de dados mais completas, o estudo é mais um indicador de tendências.

"As regiões áridas se tornarão mais áridas e o problema da irrigação aumentará. Haverá menor incidência de ventos. O sistema energético do interior do Nordeste é menos robusto do que o do Sudeste e é menos capaz de responder a variações climáticas", afirma Alexandre Szklo, um dos autores.

As hidrelétricas da bacia do São Francisco serão as mais atingidas, com perspectiva de queda na produção de energia de até 7,7% na estimativa mais pessimista. Foram definidos dois cenários, um de emissões altas e outro de baixas emissões de gases do efeito estufa. O primeiro prevê aumento de temperaturas e o segundo supõe chuvas e ventos mais reduzidos. O estudo usa ainda as projeções do Plano Nacional de Energia 2030, da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Para José Goldemberg, físico da USP e especialista em energia, as conclusões não deixam dúvidas: "Isso mostra que o país não pode assumir a postura de que o problema não é conosco. A questão do Nordeste está ligada à circulação de água na Amazônia. O que devemos fazer é engajar o Brasil nas negociações internacionais que têm como finalidade reduzir as emissões de gases do efeito estufa", afirmou.

Para o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, é preciso observar os resultados com cautela porque as projeções envolvem muitas incertezas. Apesar disso, avalia os resultados como favoráveis, com perspectiva de expansão do álcool e queda pequena das hidrelétricas. Sobre a oferta de energia no Nordeste, ele avalia que o fator regional tende a perder importância no futuro.

"É razoável supor que daqui a 50 anos não vai haver limite de intercâmbio de uma região para outra. Você vai ter transmissões com redes contínuas e outras tecnologias que estão nascendo, e a regionalização perde sentido", disse.

Demanda em alta

O
estudo avaliou ainda o aumento da demanda de energia em razão das mudanças climáticas e verificou que haverá, no cenário mais pessimista, uma elevação de 8% no consumo total de eletricidade no país. Foram levados em conta, nessa projeção, os aumentos da temperatura média e também do número de dias quentes.

O cálculo considera que o aparelho de ar-condicionado é ligado com temperaturas acima de 24C. O consumo de eletricidade no setor residencial deve aumentar até 9% e o do setor de serviços, até 19%. Em 2005, o uso de aparelhos de ar-condicionado nas residências representou 7,6 TWh (terawatts/hora), o equivalente a 9,2% do consumo total de eletricidade no setor residencial. Para 2030, a projeção é de um consumo de 14,8 TWh, o que significaria uma participação de 5,2%.

Geografia da biomassa será redesenhada pelo novo clima

As mudanças climáticas previstas para este século, especificamente dentro das fronteiras do Brasil, vão redefinir a geografia da produção da biomassa. Este processo, portanto, terá um impacto significativo sobre a produção dos biocombustíveis, uma das grandes bandeiras do governo federal.

"O mercado da produção de cana-de-açúcar [incluído também o que vai para os alimentos] deverá movimentar, em 2020, R$ 47,5 bilhões por ano", afirma Hilton Pinto, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), à Folha. Isso significa, em relação aos números da produção de cana de 2007, um aumento de 95,5%.

O prejuízo, entretanto, deverá ser debitado diretamente na conta dos produtores de soja, o principal grão usado para a produção de biodiesel. "Aqui, pode haver uma perda, no mercado nacional, de até R$ 6 bilhões". Em comparação com o mercado de 2007 deste grão, seria uma redução de 19,5%.

O cientista de Campinas é um dos autores de um estudo ainda inédito sobre o impacto das mudanças do clima sobre a agricultura. "Infelizmente, pelo resultado que nós temos, dá para perceber que o Nordeste do Brasil será a área mais afetada [pelo clima]", afirma Pinto. Segundo ele, os cálculos do mercado da cana e da soja para 2020 também vão constar desse novo trabalho. "Nós fizemos uma análise minuciosa para todos os 5.172 municípios brasileiros", diz o agrônomo. Ao todo, dez culturas ainda estão sendo analisadas.

Enquanto a produção de cana ficará prejudicada em Estados como Pará, Piauí e Tocantins (em todos existem planos para a ampliação desta cultura), a soja deverá perder terreno, além do Nordeste (no oeste da Bahia já existem algumas plantações), também no Centro-Oeste, diz o estudo. "Mas, em compensação, ela deve ganhar mais áreas nos Estados da região Sul do país", diz Pinto.

Mamona em falta

O
drama nordestino, em termos de produção de biomassa, deve provocar outra conseqüência. Deve ser o fim de um dos programas sociais do governo federal na área da energia. Com um aumento de até 3C nos termômetros da região, segundo Pinto, a produção da mamona -feita pelo pequeno produtor com incentivos públicos- vai ficar totalmente inviável.

Apesar de as condições climáticas ficarem favoráveis para a cana-de-açúcar em quase todo o país, segundo tanto os dados paulistas quanto os da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que também fez as suas próprias estimativas, o problema disso, no caso específico do semi-árido, é aumentar a pressão sobre a biodiversidade da região.

Várias espécies que vivem no bioma caatinga, por exemplo, correm o risco de extinção. É exatamente sobre essa região brasileira, entre outras, que os estudos que projetam o crescimento de áreas de cana-de-açúcar mostram que essa cultura será muito bem-vinda. "É uma cultura que adora bastante o calor e o carbono", diz o pesquisador da Unicamp. (Eduardo Geraque)

Potencial da energia eólica cairá até 60%

O potencial de geração de energia eólica cairá até 60% até 2100. O estudo feito no Rio de Janeiro se baseou nos números de velocidade média anual do vento projetados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o período de 2071 a 2100 e tem como referência uma velocidade mínima de 6 m/s.

As simulações realizadas pelos pesquisadores da Coppe mostraram uma perda de potencial eólico no interior e uma concentração de áreas com potencial no litoral Norte e Nordeste. Na costa, aumentará a ocorrência de ventos com velocidade superior a 8,5 m/s, mas isso não chegará a compensar as perdas do interior.

A concentração em áreas favoráveis pode facilitar a viabilidade econômica dos projetos, diz o trabalho. "O potencial que sobra é economicamente viável", afirma Alexandre Szklo, um dos autores do estudo.

Pelas projeções feitas pela UFRJ, até mesmo a produção de energia offshore pode ficar atraente. "Embora as tecnologias offshore tenham custos altos, as restrições ambientais poderão ajudá-las".

Para Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, o país não teria condições de explorar o potencial integral. "Teria de lotar o país de cata-ventos. Os resultados mostram que há um potencial na costa".

Segundo Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, a energia eólica está apenas começando no país e os resultados não reduzem a sua atratividade.

Hidrelétricas

A produção de energia hidrelétrica terá uma queda de até 2,2% até 2100 em razão da menor vazão, a quantidade média anual de água que aflui para as usinas. Na projeção mais otimista, a queda deve ficar em torno de 1%.

O estudo analisou as bacias do Rio Paraná, Grande, Paranaíba, Parnaíba, São Francisco e Tocantins-Araguaia. Elas representam quase 70% da capacidade instalada do país. Os impactos que as mudanças do clima global podem causar no sistema hidrelétrico estão relacionados ao comportamento das vazões nas bacias dos rios ou a alterações na probabilidade de ocorrência de tempestades e secas extremas, que poderiam prejudicar a operação das usinas.

Segundo Alexandre Szklo, da Coppe, o problema é mais grave nas áreas de fronteira da produção de energia hidrelétrica, na região Norte. "A perda pode ser maior se considerarmos as usinas que vão entrar em operação, como Jirau e Belo Monte, que têm reservatórios pequenos. Nestes casos, a perda de vazão é basicamente a mesma da geração elétrica. Estas usinas podem ter perda de cerca de 15%".

Para Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil, o estudo dá uma direção para o país. "O Brasil tem de reverter a tendência de condenar as usinas de reservatórios grandes, desde que faça isso com o devido cuidado ambiental".

Adaptação

Os estudos apresentados hoje (2/6) usaram dados do clima global. Porém, eles foram adaptados para a realidade brasileira. Neste modelo regional, diz José Marengo, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Nordeste, "infelizmente", é o grande prejudicado.

"Nessa regionalização, as condições do Nordeste são as mais radicais. A temperatura deverá subir uns 5C e as chuvas deverão diminuir até 25%".

(Folha de SP, 2/6)


Data: 02/06/2008