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Carreira de professor atrai menos preparados

Apenas 5% dos melhores alunos formados no ensino médio querem atuar como docentes do ensino básico, diz estudo. Baixo retorno financeiro e desprestígio social da carreira docente são citados entre os principais fatores para perfil identificado no levantamento.

Ao contrário dos países com sucesso educacional, o Brasil atrai para o magistério os profissionais que possuem mais dificuldades acadêmicas e sociais, aponta um estudo inédito a ser apresentado hoje, que utilizou bancos de dados oficiais. Uma das constatações do levantamento, encomendado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil, é que apenas 5% dos melhores alunos que se formam no ensino médio desejam trabalhar como docentes da educação básica, que abrange os antigos primário, ginásio e colegial.

Os pesquisadores delimitaram o patamar de estudantes "top" naqueles que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Enem 2005 (Exame Nacional do Ensino Médio, do governo federal). Dentro do grupo dos melhores, 31% querem a área da saúde e 18%, engenharia.

Com base nos questionários do Enade (o antigo provão), o estudo identificou que os alunos de pedagogia (curso que forma professores para os primeiros anos do ensino fundamental) vêm de famílias de baixa renda e têm mães com pouca escolarização -condições que apontam maiores chances de dificuldades acadêmicas.

"Para melhorar a qualidade de ensino, o Brasil precisa criar uma nova estrutura para atrair um outro perfil de pessoas para a educação", afirma a coordenadora do trabalho, Paula Louzano, doutora em educação pela Universidade Harvard (dos Estados Unidos). O estudo, ao qual a Folha teve acesso, será apresentado hoje (9/6) em São Paulo, em seminário fechado promovido pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil.

Coréia e Finlândia

A pesquisa compara a situação brasileira à dos melhores sistemas de educação do mundo, estudados pela consultoria McKinsey, em um trabalho do ano passado. Segundo a pesquisa, o primeiro dos três pontos que se destacam nas redes de ponta é "escolher as melhores pessoas para se tornarem professores".

Um exemplo estudado foi a Coréia do Sul, primeira colocada no ranking de leitura no Pisa 2006 (exame internacional). Lá, os que vão trabalhar no magistério, obrigatoriamente, devem estar entre os 5% melhores em um exame nacional para o ingresso no ensino superior. Na Finlândia, segunda no mesmo ranking, os professores são selecionados entre os 10% melhores alunos.

Status

Os dois países buscaram medidas que elevassem o status dos professores -realidade diferente da brasileira. "Nunca vi um aluno daqui dizer que quer cursar pedagogia", afirma Andrea Godinho de Carvalho Lauro, professora do colégio Vértice, o melhor de São Paulo no Enem. "Os pais querem carreiras com mais retorno financeiro e social", diz.

O baixo retorno financeiro no magistério, citado por Andrea, causa divergência entre educadores. O reduzido status social, porém, é consensual. "Como a profissão é desprestigiada, a maioria daqueles que escolhem trabalhar como professor o faz porque o curso superior na área é mais fácil de entrar, barato e rápido", afirma o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto Leão.

"O pobre, que estuda no caos que é hoje a escola pública, vê na pedagogia uma das poucas opções possíveis de chegar ao ensino superior. Muitos não escolhem a carreira por vocação, mas, sim, porque é onde dá para entrar. É preciso tornar a carreira mais atrativa, para o pobre e para o rico", argumenta o dirigente da categoria.

"Os estudantes que chegam têm muitas dificuldades em conhecimentos básicos", diz Paulo de Assunção, pró-reitor acadêmico da Unifai (Centro Universitário Assunção), instituição de São Paulo com o maior número de matrículas em pedagogia. Para atenuar o problema, a escola tem aulas de reforço em língua portuguesa, matemática, entre outras.

Profissão perdeu status no século 20

No início do período da República, os professores adquiriram um status social elevado na sociedade, conta o professor emérito da Unicamp Dermeval Saviani. "Principalmente nas cidades menores, até a década de 60, eles eram encarados como representantes do Estado. Tinham o respeito de todos." A mudança ocorreu no decorrer do século 20, quando houve a massificação do ensino -até então, era atendida apenas uma parcela da população.

Segundo Saviani, entre 1933 e 1998, o número de alunos aumentou 20 vezes, enquanto a população cresceu quatro vezes. "A opção dos governos foi atender mais gente com praticamente os mesmos recursos. Por isso, os salários foram reduzidos, e o prestígio dos professores diminuiu muito. O docente virou um simples funcionário público", afirma Saviani.

Área vai melhorar e ficar mais atrativa, diz MEC

A melhoria da educação pública é o fator principal para que outros perfis da população sejam atraídos para a carreira docente, afirma a secretária da Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar.

Segundo ela, a melhoria está em curso e será confirmada nesta semana, quando deverão ser divulgados novos indicadores de qualidade do ensino. "Ainda não vi os números, mas, pelas conversas, sinto que avançamos, principalmente na alfabetização", afirmou a representante do governo Lula. "A melhoria na escola pública vai criar um clima de entusiasmo, que seduzirá os jovens para a carreira", afirma.

A secretária, porém, diz que há outros pontos importantes, como a criação do piso salarial para a educação. A proposta do governo, que tramita no Congresso, fixa o valor em R$ 950, para uma jornada de até 40 horas semanais (que terá impacto principalmente em regiões pobres do Norte e do Nordeste).

O MEC afirma que irá também atuar na formação dos professores, principalmente por meio das universidades federais, e no início da carreira dos docentes. Uma das propostas analisadas é um acompanhamento dos educadores recém-contratados, no período probatório (de três anos). A idéia é contratar tutores para acompanhar os professores novatos. O ministério pretende começar o projeto no ano que vem.

Salário de professor divide especialistas

Para alguns, reajuste deveria ser igual para toda a classe; outros defendem que haja diferenciação a partir do desempenho. Diferença entre ganhos de professores e trabalhadores privados vem diminuindo, de 61,9% a menos em 1995, para 16,8% a menos em 2006

Um dos pontos mais polêmicos na discussão de como melhorar a atratividade da carreira docente é a questão salarial. Há pesquisadores que entendem que o aumento geral para a categoria é primordial; outros acham a medida incorreta. O estudo encomendado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil destaca que, na média, os professores públicos ganham menos do que os trabalhadores do setor privado em geral (considerando os que possuem formação superior).

A diferença, porém, vem caindo rapidamente: os docentes ganhavam 61,9% a menos que a média da população no setor privado em 1995, percentual que diminuiu para 16,8% em 2006, segundo dados da Pnad, pesquisa do IBGE. "O salário ainda tem influência, mas não parece ser mais o fator primordial para a baixa atratividade para a carreira docente", afirma Paula Louzano, coordenadora do estudo.

"Faltam estudos sobre o assunto. Mas a minha impressão é que as condições de trabalho, o dia-a-dia na sala de aula, têm um peso grande", afirma. Para o professor emérito da Unicamp Dermeval Saviani, um forte aumento salarial é essencial para mudar a imagem da carreira e atrair uma população mais bem preparada. "Se o professor ganha na média brasileira, ele ganha mal, principalmente porque é uma profissão que exige muito. Além disso, a carreira está tão desvalorizada que ela precisa de um choque", diz Saviani.

Opinião divergente tem o pesquisador da FGV-RJ Samuel Pessoa. Para ele, o problema é que a estrutura do setor público não diferencia os bons profissionais dos demais. "É preciso criar mecanismos que permitam a diferenciação a partir de medidas objetivas de desempenho. Os mais talentosos ganham mais. Isso muda o perfil do corpo docente", diz. Elevar os salários de toda a classe até que todos ficassem com salários superiores à média, além de injusto com os professores mais dedicados, traria gastos praticamente insuportáveis para o Estado, diz Pessoa.

Para a docente da PUC-SP Clarilza Prado, que coordena um estudo da Fundação Carlos Chagas sobre estudantes de cursos de formação de professores, "ao lado da discussão sobre salário e carreira docente, é preciso trabalhar fatores subjetivos, como a impressão que a sociedade tem do professor".

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto Leão, afirma ser necessário, "além de aumento salarial, melhores condições de trabalho, como diminuição da jornada de trabalho e redução de alunos por sala. Tudo isso melhoraria a imagem da carreira".

(Folha de SP, 9/6)


Data: 09/06/2008