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Máquina do Universo

No maior, mais caro e ambicioso projeto da física – a ser lançado no próximo dia 10 de setembro – cientistas reproduzirão Big Bang

Recriar as condições que ocorreram logo após o Big Bang — a grande explosão primordial, segundo a teoria mais popularmente aceita — é a meta para lá de ambiciosa da Organização Européia de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em inglês).

E não se trata de um projeto para um futuro distante. Já tem data marcada para acontecer, anunciada ontem, e não demora muito: 10 de setembro próximo. O objetivo é ainda mais ousado. Nada menos que descobrir alguns dos maiores segredos do Universo, do que ele é feito e como começou.

A missão está a cargo do maior e mais poderoso acelerador de partículas jamais construído no mundo, o Large Hadron Collider (LHC), localizado a 100 metros sob a superfície, num túnel subterrâneo de 27 quilômetros de circunferência, na fronteira da Suíça com a França.

Essa potente máquina fará colidir feixes de partículas subatômicas a uma velocidade bem próxima (99,9%) da velocidade da luz. Dependendo das partículas utilizadas, ela buscará desde reproduzir as condições surgidas após o Big Bang até enxergar partículas que, até hoje, são apenas inferidas na física mas que poderiam aparecer nos choques.

A máquina entra em funcionamento em setembro, quando se dá a primeira tentativa de fazer circular partículas pelo LHC.

“Explorar o Universo menos de um bilionésimo de segundo depois do Big Bang é uma das coisas mais difíceis que a Humanidade jamais tentou”, escreveu Brian Cox, especialista em física de partículas da Universidade de Manchester, em artigo publicado no jornal britânico “The Guardian”. “Não tenho dúvidas de que quando olharmos para trás, para o ano em que o LHC foi ligado, o veremos como um dos mais excitantes períodos para a física fundamental em gerações.”

Acelerador
de partículas custou US$ 10 bilhões

Dez mil físicos e engenheiros de 85 países, o Brasil entre eles, participam das experiências desenvolvidas no Cern e no LHC, que começou a ser construído em 1994 e custou aproximadamente US$ 10 bilhões. Para o projeto de explorar os momentos pós-Big Bang, o acelerador fará colidir partículas presentes no núcleo dos átomos, recriando um momento único do Universo em que a matéria nuclear dominava.

Um dos mais conceituados físicos do Brasil, Mário Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, tem algumas críticas à forma como o projeto vem sendo apresentado. Para ele, e para um grupo cada vez maior de físicos, o Universo não começou no Big Bang — que seria apenas um ponto máximo de condensação, ao qual se seguiu uma expansão.

— Veicular a idéia do Big Bang como o começo de tudo é um mito científico que não tem nada a ver com a verdade científica. E eles não podem reproduzir o Big Bang porque a temperatura na Terra não é infinita — aponta o físico. — Eles vão reproduzir situações muito próximas às daquele momento de condensação máxima do Universo, isso é verdade. E isso é tudo o que precisam para entender o mundo das partículas elementares.

No outro experimento que vem sendo também como um dos mais importantes do LHC, os cientistas farão colidir feixes de prótons, gerando cascatas de partículas. Um equipamento de altíssima tecnologia tem capacidade de fotografar as 600 milhões de colisões de prótons que o LHC vai gerar a cada segundo.

E uma das idéias mais ambiciosas por trás dessa análise é justamente a de descobrir partículas que, até hoje, jamais foram vistas, mas apenas inferidas em cálculos. E elas são tudo menos desprezíveis, já que representam 96% do total.

O misterioso bóson de Higgs pode ser revelado

Este é o caso do bóson de Higgs. Proposto em 1964 por Peter Higgs, o bóson é também chamado — para profunda irritação de muitos cientistas, é preciso registrar — de partícula de Deus. Tamanha grandiosidade no apelido se explica. Os físicos acreditam que essa partícula seria a responsável por dotar de massa tudo o que existe no Universo. Em princípio, o LHC seria capaz de fornecer evidências da existência do bóson, produzindo uma revolução na física de partículas e, certamente, garantindo um Nobel a Higgs.

Da mesma forma, a chamada matéria escura, que forma 25% da massa do Universo, é constituída de partículas que nunca foram detectadas. E a energia escura, que formaria a maior parte do Cosmos, é ainda menos conhecida.

Embora o processo de interpretação dos dados a serem gerados pelo LHC seja extremamente complexo, os cientistas mais otimistas estimam que alguns estudos já possam ser publicados em revistas especializadas antes do fim deste ano.

(O Globo, 8/8)


Data: 08/08/2008