topo_cabecalho
Instituições buscam alternativas para conter evasão

Todos os anos cerca de 800 mil estudantes deixam instituições públicas e privadas sem completar graduação

Ex-estudante de matemática, Renato Valêncio tem uma conta difícil para fechar. No começo do ano passado, ao entrar na faculdade, comprou uma moto para economizar tempo no trajeto entre sua residência em Cotia (SP); a Universidade de São Paulo (USP), onde trabalha como vigilante durante o dia, e o campus da Unip na Chácara Santo Antônio, onde estudava à noite.

A vida estava difícil com a prestação de R$ 270 da moto, R$ 300 da mensalidade e um salário em torno de R$ 900. Para completar a renda, virou entregador de pizzas no fim de semana. Mas, menos de um mês depois, a moto foi roubada e não tinha seguro.

Resultado da equação: com uma dívida de R$ 13 mil, Valêncio pagou só o primeiro mês da faculdade e acumulou R$ 1,8 mil em mensalidades atrasadas. Tentou uma bolsa de estudos e não conseguiu. Ao fim do primeiro semestre, não houve múltipla escolha. Sua única opção foi abandonar o curso superior

Valêncio é um dos cerca de 800 mil estudantes que todos os anos deixam instituições públicas e privadas sem completar a graduação. Na média entre 2000 e 2006, esse contingente chega a 22% do total de alunos matriculados no ensino superior. Os dados do Ministério da Educação dos últimos anos mostram que a porcentagem de evasão não está em queda e oscila, para um pouco mais ou um pouco menos, sem apontar tendência clara. Em 2009, perspectivas negativas na economia e no emprego podem agravar o problema. Mas instituições de ensino privado, em que a evasão é maior, implantaram uma série de medidas para reduzir as perdas. 

"Nos níveis atuais, a evasão é um enorme desperdício econômico e social", afirma Oscar Hipólito, professor titular da USP de São Carlos e pesquisador do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia. Numa conta aproximada, ele calcula que cada aluno custa em média R$ 10 mil por ano às instituições de ensino e, dessa forma, um total de R$ 8 bilhões são desperdiçados ou deixam de ser investidos por causa da evasão. "E mesmo que os alunos custassem a metade disso: uma perda de R$ 4 bilhões já é uma catástrofe." 

O problema é maior nas instituições de ensino privado, que agregam 85% dos alunos. Nelas, a evasão chega a 25% ao ano, contra 15% nas instituições públicas, conforme as estatísticas do MEC mais recentes, de 2006. 

Entre as entidades de educação privada, aquelas com fins lucrativos são ainda mais sensíveis à questão da evasão, pois o resultado final do balanço pode ser diretamente afetado.

A Anhanguera, hoje a maior rede de ensino pago com 220 mil alunos (incluindo modalidade presencial, a distância e pós-graduação), faz uma conta para medir o quanto ganha se contiver a saída de estudantes. Sobre uma base de 100 mil alunos que pagam R$ 400 por mês, conter a evasão de 1% deles evita uma perda de R$ 4,8 milhões num ano.

"Como a estrutura de custos é quase toda fixa e já leva em conta uma evasão, cada vez que se evita uma perda de alunos há um ganho sobre a margem de lucro", diz José Augusto Teixeira, diretor de planejamento e relações com investidores da Anhanguera. 

A grande questão que se coloca, portanto, é como conter a evasão. Para o professor Hipólito, as instituições de ensino devem fazer um levantamento profundo para mapear as causas que levam ao abandono do curso superior. 

Swinda Salazar-Piquemal, diretora geral da Sungard Higher Education, empresa americana que desenvolve softwares e presta consultoria para instituições de ensino superior, afirma que há quase sempre duas causas que explicam a evasão. A primeira é bem visível na história do jovem Renato Valêncio: dificuldade financeira por parte do aluno, que deixa de pagar mensalidade, acumula dívida e então deixa a universidade ou é desligado por ela - no Brasil, as instituições de ensino podem rescindir o contrato com alunos inadimplentes ao fim de cada semestre. 

A outra origem da evasão, segundo ela, é a falta de preparação para a vida universitária. "Em muitas sociedades latino-americanas, o ensino básico e o médio não preparam o estudante para o ritmo e responsabilidade da graduação", diz.

Mas as instituições de ensino também têm uma grande parcela de responsabilidade. Por falta de gestão e informações organizadas, diz Swinda, muitas delas erram na escolha dos cursos oferecidos, têm pouco controle sobre seus custos e não conseguem detectar o problema dos estudantes - seja ele financeiro ou acadêmico - a tempo de resolvê-lo. "Tudo isso afeta a vida do aluno", diz Swinda. 

As quatro instituições de ensino privado que deram entrevista ao Valor - Anhanguera, SEB, Unaerp e Veris - citaram a questão financeira como motivo principal de evasão. A segunda causa apontada é o desempenho acadêmico insuficiente dos estudantes. 

Para resolver a inadimplência e evitar o desligamento do aluno, vale um pouco de tudo. A Unaerp, que tem campi nas cidades paulistas de Ribeirão Preto e Guarujá, criou uma "central de benefícios" coordenada por uma assistente social que acompanha a situação financeira do aluno e propõe soluções como descontos e créditos educacionais e até auxilia a busca por estágios. 

A Veris, que reúne as faculdades IBTA e Ibmec, dá um "seguro-desemprego" para quem perde o trabalho mas tem bom desempenho acadêmico. Com esse benefício, o aluno pode estudar três meses de graça. "Num universo de 15 mil alunos, de 50 a 100 usam esse seguro por ano. Não é muito, mas o importante é que 100% deles permanecem no curso depois que o benefício acaba", conta Américo Matiello, diretor de operações da Veris.

Outra preocupação da empresa é estimular o uso de crédito universitário, embora ele ainda seja bastante restrito e tenda a diminuir por causa da crise econômica. 

A Anhanguera, por sua vez, oferece cursos de extensão em planejamento financeiro e busca promover um relacionamento próximo entre coordenador de curso e aluno. "O coordenador tem menos funções acadêmicas e é mais instruído para orientar os alunos", diz Teixeira. Cada coordenador fica responsável por cerca de 240 alunos e acompanha relatórios semanais da condição acadêmica e financeira de cada um. "Em muitos casos, ele funciona como um conselheiro que pega na mão do aluno e orienta sobre como ele pode organizar o orçamento pessoal." 

Além dessas medidas, Anhanguera, Veris e SEB, de Ribeirão Preto, afirmam ser duras na cobrança das mensalidades. "Nos primeiros dias de atraso de pagamento, fazemos cobranças por e-mail e telefone. Depois de 90 dias, incluímos o nome do aluno nos serviços de proteção ao crédito", diz Matiello. Por outro lado, no caso da SEB, alunos que pagam com antecedência ganham descontos. 

Do lado acadêmico, as soluções mais comuns são aulas de reforço - presenciais ou à distância. "Partimos do pressuposto que o aluno sai de um sistema deficiente de qualidade e implantamos diversas disciplinas 'remediais' e aulas adicionais que o aluno pode cursar", diz Teixeira, da Anhanguera, cujo foco são jovens de baixa renda, formados por escolas públicas. 

Segundo o executivo, a empresa vê resultados pontuais nas taxas de evasão. Há dez anos, os cursos de administração formavam 55% dos alunos de uma turma. Hoje, forma 65%. Ele afirma que a preocupação com o assunto cresceu desde que a Anhanguera abriu o capital e passou a prestar contas aos investidores de bolsa. A empresa não divulga a taxa de evasão total. 

A Veris, por sua vez, conta que tem uma evasão entre 8% e 10% por semestre. Segundo Matiello, não há perspectiva de queda significativa do número a não ser que o crédito estudantil aumente.

Unaerp reduz índice em 40% em quatro anos

Há cinco anos, a Unaerp notou que as taxas de evasão em seus dois campi só cresciam. "As causas que os alunos apontavam não me pareciam reais e fui estudar o assunto", diz Priscilla Bonini Ribeiro, diretora do campus no Guarujá. 

A pesquisa feita atualmente, mais refinada, mostra quatro razões principais para a evasão. A maior delas é a dificuldade financeira, apontada por 32% dos alunos que abandonam os cursos. Outros 30% indicam o desinteresse gerado por insuficiência acadêmica. Mudanças de horário e local de emprego são motivos apontados por 13,5% e mudança de endereço residencial, por 11%. 

Priscilla conta que foram tomadas medidas em várias frentes, como a criação de uma central de benefícios (ver ao lado), programas para melhorar a qualidade de atendimento aos alunos e grades curriculares mais flexíveis que permitam a migração de alunos que desejam trocar de cursos, entre outros. Com as medidas, a executiva afirma que a evasão média caiu 40%, de 20% ao ano em 2003, para 12% em 2007.

(Valor Econômico, 5/12)


Data: 05/12/2008