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Culturas em risco

Das 6.700 línguas faladas no mundo, 2.500 estão ameaçadas, 190 no Brasil

O aquecimento do planeta não é a única ameaça global a pairar sobre a Humanidade neste início de século XXI. Estudo publicado ontem pela Unesco (a organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura) comprovou o que ativistas sociais já alertavam: as culturas locais perdem cada vez mais espaço e podem mesmo desaparecer em pouco tempo. O documento revelou que das 6.700 mil línguas existentes no mundo, cerca de 2.500 estão ameaçadas de extinção - 190 delas no Brasil.

Os números fazem parte da terceira versão do "Atlas das Línguas em Perigo no Mundo", o primeiro lançado desde 2001. O documento destaca o Brasil como país de grande diversidade linguística e frisa que há políticas sendo desenvolvidas com o intuito de recuperar muitas das línguas ameaçadas.

Ainda assim, o país aparece entre que mais apresentam línguas em risco - todas elas indígenas.

A nova versão do atlas, apresenta mudanças nos critérios de classificação das línguas em relação às anteriores.

Agora, uma língua é considerada "em perigo" quando as crianças já não a aprendem com suas famílias, como língua materna, e se tornam bilíngues passivos, ou seja, entendem, mas não falam.

Uma única pessoa fala livoniano

O documento estabelece quatro níveis de vitalidade para as línguas: "vulneráveis" (as crianças falam, mas é usada somente no âmbito familiar); "ameaçadas" e "seriamente ameaçadas" (quando apenas as pessoas mais idosas e em número cada vez menor a utilizam); e "em situação crítica" (só utilizada pelos idosos e, ainda assim, muito raramente).

A situação é dramática em muitos casos. Para se ter uma ideia, só existe um falante nativo de livoniano em todo o planeta, na Letônia. A língua Eyak, do Alasca, foi declarada oficialmente extinta no ano passado, quando a última pessoa capaz de falá-la morreu. Estes são apenas dois exemplos em 2.500, frisam os autores do documento.

De acordo com o documento, somente ao longo das três últimas gerações nada menos que 200 línguas se tornaram extintas e outras 199 são faladas por menos de dez pessoas. Mais de um quarto das 192 línguas que já foram usadas nas Nações Unidas desapareceram. Outras 71 são consideradas "seriamente ameaçadas".

Na apresentação do novo atlas ontem, os linguistas responsáveis pelo trabalho frisaram que as línguas em perigo não estão restritas a países pequenos ou áreas remotas do globo. O Brasil é um bom exemplo disso. Além disso, os especialistas querem encorajar os imigrantes a preservarem suas línguas nativas.

- Línguas em risco são um fenômeno universal - afirmou o linguista australiano Christopher Moseley, um dos responsáveis pela edição do atlas.

Nos Estados Unidos foram registradas 192 línguas ameaçadas - a grande maioria também indígena.

É o caso de Gros Ventre, falada por menos de dez pessoas, em uma reserva no centro de Montana. Todas são bem idosas e nenhuma delas é fluente na língua. A última pessoa que a falava de forma fluente morreu em 1981. No norte do estado de Wisconsin há um caso semelhante.

Trata-se da língua menomonee, com apenas 35 falantes.

Idiomas indígenas nas escolas

A Rússia também apresenta um número elevado de línguas ameaçadas, 136. Há línguas criticamente ameaçadas, como a tundra enets, falada somente em algumas poucas ilhas da região do Ártico, e aquela falada por apenas uma pessoa. Mas nem tudo está perdido, dizem os especialistas.

No caso do livoniano, por exemplo, a língua praticamente extinta vem sendo resgatada por alguns jovens e por meio da poesia. O mesmo estaria acontecendo no Brasil, segundo os especialistas. Das 190 línguas ameaçadas registradas aqui, alguma se encontram em estado bastante crítico, como o crenaque, idioma indígena do sudeste, falado por menos de dez pessoas. E algumas já extintas, como omaguá e xacriabá.

Mas, como frisa Marleen Habard, editora do atlas para as regiões andinas, os grupos indígenas da América do Sul estão na vanguarda mundial no que diz respeito à preservação de línguas. Eles pressionam seus governos para reconhecê-las e protegê-las. No caso específico do Brasil, muitas línguas da Amazônia, por conta da pressão das comunidades indígenas, têm sido ensinadas nas escolas, ao lado do português.

Na América Latina, o México aparece com 144 línguas ameaçadas. No Equador, com 20 línguas em perigo, se destaca o ressurgimento, nos últimos anos, da língua andoa, com apenas 100 palavras, e do zápara, que se acreditavam extintas e substituídas pelo quechua.

Foi um jornalista quem descobriu um pequeno grupo de falantes do andoa em 2000, na fronteira com o Peru. De sua parte, a Bolívia registra 39 línguas em risco - uma das mais baixas listagens da região. O Peru aparece com 62, e a Colômbia com 68.

Para o coordenador geral do atlas, Christopher Moseley, "seria ingênuo e simplista afirmar que as grandes línguas de passado colonial, como inglês, francês e espanhol, são sempre as responsáveis pela extinção das outras". - Há um jogo de forças sutil - afirmou.

Para Françoise Riviere, diretora de cultura da Unesco, a noção da importância da preservação das línguas maternas é crescente. - Estamos ensinando às pessoas que a língua do país natal é importante, e que devemos nos orgulhar de nossa língua.

Raimundo, o último caixana

Das 190 línguas do Brasil apontadas pelo novo atlas da Unesco como ameaçadas, as que se encontram em situação mais grave são aquelas faladas por grupos de até dez pessoas. Ao todo, 33 línguas, a grande maioria na Amazônia, se encontram nessa situação e são consideradas criticamente ameaçadas.

Os casos mais dramáticos são os das línguas faladas por apenas uma pessoa. Há pelo menos dois exemplos disso no Brasil, no caso da língua apiaká, pertencente a um grupo original do norte do estado de Mato Grosso; e da caixana, no Amazonas, falada somente por Raimundo Avelino, de 78 anos, que vive na localidade de Limoeiro, em Japurá.

Várias outras línguas são listadas como tendo somente dois falantes nativos, como guarasu e curuaia, ambas na Região Norte.


(O Globo, 20/2)


Data: 20/02/2009