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Entenda o que muda ao fazer intercâmbio depois dos 30

Segmento cresce e desperta interesse de agências e escolas

 

Não era a primeira vez que o publicitário Wilson Longo Belém Corrêa, 46 anos, visitava os Estados Unidos. Daquela vez, no entanto, havia uma receptividade que ele não vira das outras vezes. Um povo anteriormente descrito por ele como "geralmente mais secos, frios e sem emoção" comportava-se agora de maneira totalmente diferente. "Achei estranho. Minha surpresa é que fui muito bem recebido. É completamente diferente", afirma Corrêa.

 

A diferença é que daquela vez, o publicitário não estava no país para nenhuma reunião ou conferência empresarial, o objetivo era o intercâmbio, algo que Corrêa decidiu fazer, ainda que por período pequeno - apenas 15 dias -, mesmo aos 46 anos de idade, casado e com uma filha. Ainda que a maioria do público de intercambistas seja composta por jovens com menos de 30 anos, 70% segundo agências de intercâmbio ouvidas pelo Universia, Corrêa garante aos mais ressabiados que estão acima desta faixa etária: dá para fazer.

 

A gerente de comunicação da STB, Claudia Martins, confirma que o público acima dos 30 anos tem crescido substancialmente. "Em 1996 meu público era de pessoas de 18 a 27 anos, se tanto. De uns anos para cá cresceu a procura nessa faixa etária. Cada vez mais as pessoas deixam decisões como casamento e filhos para mais tarde e investem na carreira e na consolidação de sua posição", diz Claudia.

 

O crescimento da procura por intercâmbio entre os adultos é reforçada por Luiza Vianna, gerente de produtos da CI. "O grosso do nosso público para intercâmbio é composto por gente de 20 a 25 anos, mas o pessoal com idade entre 28 a 35 não é mais um percentual desprezível e é uma fatia que cresce. A tendência é o mercado continuar crescendo nesse público, que já se preocupa mais com isso, com a necessidade de ter essa experiência", declara ela. De acordo com Emília Miguel, gerente de produtos da Experimento, o crescimento desse público tem a ver com a mudança de hábito das novas gerações. "Hoje em dia as pessoas demoram mais para sair da casa dos pais e fazem isso quando estão mais bem estabelecidas e essas pessoas querem ter essa experiência de fazer um intercâmbio", avalia ela.

 

Ainda que pessoas mais velhas possam pensar que teriam menos paciência para lidar com os possíveis desconfortos da viagem, Corrêa fala com propriedade. "Vá! Porque mesmo quem não quiser permanecer em casa de família pode ficar num apartamento da faculdade. Não aconselho essa opção porque além de ser mais cara você tem menos contato com o idioma. Numa casa de família você convive com o dia-a-dia, tem de pedir coisas, explicar, e isso é muito importante", afirma Corrêa.

 

Não foi esse o caso de Corrêa, que aproveitou uma viagem para Detroit, nos Estados Unidos, para permanecer no país. Ele foi até Grand Rapids, cidade de 194.341 habitantes no estado do Michigan, norte do país. Com mulher e uma filha, Corrêa não pode estender o intercâmbio por mais de 15 dias. Nada que o impedisse de participar de uma série de atividades ligadas que o ajudaram muito no aprendizado do inglês. "Em 15 dias aprendi o que não aprendi aqui em um ano de curso. Digamos que economizei um ano de curso nesses 15 dias de intercâmbio. Tem várias atividades, não ficava só na sala de aula. Tinha natação, academia... eles usam muito os esportes", lembra.

 

A falta de tempo é considerada um dos limitadores para pessoas acima de 30 anos realizarem o intercâmbio. "Às vezes a pessoa tem uma posição consolidada dentro da empresa em que trabalha, está num bom momento na carreira e não quer abrir mão disso. Depende do momento que cada pessoa vive, se vai ou não poder ficar mais tempo fora do País. Se quer fazer isso", explica Luiza. Emília acrescenta que existem escolas que nem aceitam alunos tão jovens e que há uma parcela delas que só matricula alunos acima de 21 anos. "Até pela diferença de tempo disponível que os mais velhos têm para ficar fora do País, a busca deles é mais concentrada noutro tipo de curso. Os mais velhos procuram um diferencial, não um curso de idiomas simplesmente. Querem algo mais direcionado para a sua área de atuação profissional", revela ela.

 

Corrêa afirma não ter tido problema algum em conviver dentro da universidade em que estudou - a Grand Valley State University - e com a maioria de jovens na casa dos vinte e poucos anos que permeava aquele ambiente. "Sempre tem aquelas brincadeiras de moleque, mas você sai fora porque está lá para estudar. No meu caso, como passei somente 15 dias procurei aproveitar ao máximo, então ficava seis horas por dia estudando", conta Corrêa, que diz ainda ter evitado a convivência com pessoas que falavam português para não quebrar o seu ritmo de aprendizado inserido num cotidiano 100% em língua inglesa.

 

Essa sua fuga quase obstinada de pessoas que falavam português gerou situações inusitadas. Além de evadir-se de pessoas em Grand Rapids, Corrêa conta que evitou até mesmo ligar para a esposa no Brasil para permanecer longe do idioma nativo. A 'patroa' é que não gostou muito da idéia. "Ela ficou meio brava, mas depois soube entender que aquela era uma oportunidade que eu tinha de fazer o intercâmbio".

 

Outra possível preocupação de quem está acima dos 30 anos e pretende fazer intercâmbio num outro país pode estar relacionado à própria viabilidade das coisas numa atividade predominantemente realizada por jovens. "É um grande erro achar que acima dos 30 anos não será possível fazer intercâmbio ou que não existem planos adequados para esse público", assegura Luiza. Claudia engrossa o coro e acrescenta que o intercâmbio pode até mesmo ser mais bem aproveitado por quem é mais maduro. Mesmo em relação ao público dentro das escolas, Corrêa revela que a solidão não foi sua companheira. Além de ter tido tranqüilidade para se relacionar com os mais jovens, ele lembra que havia na turma cinco pessoas da mesma faixa etária dele.

 

Onde morar?

 

E quem pensa que as casas de família não recebem gente mais velha, engana-se. O exemplo de Corrêa já deixa evidente que essa é uma idéia equivocada. "Essas famílias estão preparadas para receber adultos tão bem quanto recebem adolescentes. Eles estão em contato com as escolas e são também avaliadas pelos próprios estudantes", garante Claudia. Segundo ela, antes de embarcar o intercambista é orientado sobre todos esses detalhes. "As pessoas não podem achar que o intecâmbio começa quando chega no país de destino".

 

Luiza diz que os mais velhos demonstram certa desconfiança em permanecer em casas de família e perguntam sobre a viabilidade de se hospedarem em hotéis, mas ela adverte que essa opção encarece consideravelmente o valor da estadia. "Quem opta por hotel é quem pode pagar a mais por isso. Só que eles vêem que na prática o custo benefício não compensa e que é possível ter uma experiência legal e agradável em casa de família. As casas de família dão certa liberdade, você tem seu quarto, não vai passar o dia inteiro dentro de casa preso", afirma ela, que acrescenta que há famílias que manifestam preferência em hospedar pessoas mais velhas.

 

A busca dos intercambistas mais velhos por qualidade nas moradias fez com que algumas escolas resolvessem preparar algo especialmente imaginado para esse público. Emilia conta a respeito de uma instituição com sede na cidade americana de Boston que resolveu criar blocos de moradia estudantil especialmente projetado para adultos. "Os mais velhos querem uma acomodação melhor. Então eles montaram essa residência estudantil para esse público, com foco em executivos e profissionais. É um residencial mais próximo da universidade, os quartos têm ambientes mais requintados, é diferente do das moradias estudantis tradicionais. Mas é mais caro ficar lá", alerta Emilia.

 

Mas a boa experiência foi o que ficou na memória de Corrêa quanto a permanecer em casa de família. Ele diz que a boa relação começou já no aeroporto ao chegar aos Estados Unidos. "Na hora em que eu cheguei havia uma pessoa me esperando com suco, frutas e barras de cereais. Fui levado de táxi até onde ia ficar e quando eu cheguei foi ainda melhor. O pessoal foi muito amável", lembra ele com uma dose de saudosismo. Sobre uma possível dificuldade de adaptação dos mais velhos, o publicitário resume o seu parecer sobre a questão. "Você tem de se adaptar, entender que chega numa casa estranha, num país diferente do seu, com pessoas e hábitos diferentes. Você vai ser bem recebido, mas assim mesmo precisa se adaptar com a comida e com outras coisas. E mesmo assim, há a chance de conversar, eventualmente pedir algum tipo de comida. É tranqüilo", declara ele.

 

Burocracia

 

Organizar a papelada para a viagem é uma etapa importante. Em relação a isso, a obtenção de visto é fundamental. Há quem possa acreditar que os consulados tenham certa desconfiança com o público mais velho, já que em tese teriam melhores condições de permanecer ilegalmente no país ao termino do curso ou mesmo usarem o intercâmbio como primeiro passo numa estratégia de imigração. Agências de intercâmbio acostumadas com os trâmites dos consulados refutam tal possibilidade. Nesse caso, ser mais velho pode até ser um benefício.

 

"O critério para qualquer embaixada é se a pessoa comprova vínculo com o país dela, explica suas razões para sair pela necessidade de estudar e demonstra que vai voltar. Talvez a pessoa até precise mostrar mais documentos para comprovar isso tudo. No geral não é isso que vemos na prática, os mais velhos são muito bem aceitos", assegura Luiza. Ela diz que esse é um procedimento normal para qualquer idade e que se não demonstrar detalhadamente que pretende voltar, nem adianta ter dinheiro. "Talvez um intercambista com mais de 30 anos tenha muito mais condições de comprovar isso tudo do que um menino de 20 anos. Tenho casos de gente de 20 anos que tinham o dinheiro necessário, mas que não conseguem o visto porque teve dificuldade de provar os vínculos. Me parece que os mais velhos têm mais chance de provar isso", acrescenta ela.

 

Já Luiza rejeita taxativamente a possibilidade de maiores dificuldades para os mais velhos na obtenção do visto. "É tudo a mesma coisa. Para qualquer consulado eles querem saber se a pessoa é honesta. Com mais de 30 anos você vai investir mais num curso para te dar um impulso de carreira. O investimento é maior e são pessoas que não têm tempo a perder. Se você vai para uma escola séria, num curso sério, não tem segredo", afirma Luiza.

 

(Portal Universia)


Data: 09/03/2009