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Pesquisadores nas empresas: lenta transformação

Número absoluto de doutores na indústria é resultado da baixa intensidade tecnológica; mas quadro está mudando, diz pesquisador

Instrumentos de política pública para fomentar as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) podem estimular a demanda por cientistas na indústria, disse André Tosi Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (DPCT-IG) da Unicamp, em entrevista concedida a Inovação no dia 1º de abril, em Campinas (SP).

André, com outros pesquisadores do DPCT, como Ruy Quadros, por exemplo, participa da elaboração do Índice Brasil de Inovação (IBI) - que visa identificar, a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os indicadores que possam servir de base à classificação das empresas brasileiras em mais ou menos inovadoras.

André fez graduação, mestrado e doutorado em Ciências Econômicas na Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne), e é pós-doutor pelo Centre de Recherche sur l'Environnement et le Développement. Na entrevista, André falou sobre um dos resultados de sua pesquisa: houve aumento "expressivo" nas contratações de pós-graduados pela indústria de transformação, de acordo com os dados disponíveis.

Os dados disponíveis são os da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), da qual o IBGE organizou duas edições, em 2003 e 2005. Os estudos do pesquisador e do IBI seriam enriquecidos se o instituto não tivesse deixado de realizar a Pintec em 2007. "Mas será feita em 2009", contou André à Inovação Unicamp. Leia a entrevista:

- Em relação ao artigo "A ampliação de recursos humanos em P&D na indústria brasileira", podemos dizer que há um crescimento ou uma estabilidade, já que o percentual não indica alteração tão expressiva?

A estabilidade se dá em relação ao número total de pessoas ocupadas em atividades de pesquisa e desenvolvimento - pesquisadores, técnicos e auxiliares. Em relação ao número de doutores houve, sim, um aumento expressivo. Vale lembrar o contexto favorável da economia: o emprego industrial, como um todo, também cresceu no período 2003-2005.

- O eventual impacto da subvenção econômica na contratação de mestres e doutores escapa às edições da Pintec, pois o IBGE só realizou duas, em 2003 e 2005. O senhor acredita que o mecanismo pode ampliar o ritmo da contratação?

Precisamos aguardar um levantamento que mostre os resultados na prática, daí a necessidade de uma nova Pintec para aferir se há mudança. Aparentemente, as políticas são muito boas, há mecanismos mais apropriados, mas para sabermos até que ponto isso resulta em mais emprego, precisamos aguardar a Pintec. Ela deveria ter ocorrido ano passado, mas só será feita em 2009 pelo IBGE.

- E no contexto de crise, esse quadro positivo registrado entre 2003 e 2005 poderá se reverter?

Sim. Foi o que vimos de 2000 para 2003. Não haverá tanto impacto no número de pessoas empregadas, porque as empresas relutam em desempregar esse tipo de pessoal. Mas haverá redução de recursos financeiros alocados. É possível termos uma diminuição até maior do que entre 2000 e 2003, porque a crise na indústria hoje é muito profunda. Contudo, o Brasil cresceu muito entre 2005 e 2008, o que também não foi captado pela Pintec. Entre 2005 e 2008, provavelmente não veremos grande redução, pelo contrário. Agora, se a comparação for entre 2008 e 2009, por exemplo, é provável que tenhamos um decréscimo razoável. Infelizmente, não temos um acompanhamento anual do gasto e do pessoal empregado em P&D na indústria. Isso é feito nos países desenvolvidos. A OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] tem dados anuais. Seria desejável, pelo menos para P&D, o Brasil ter dados anuais, para haver acompanhamento regular.

- O perfil dos formados na pós-graduação e as áreas em que se formam são o que a indústria demanda? Há certa ideia de que nosso sistema de pós-graduação não forma pessoas nas áreas de que a indústria precisa, e de que temos uma concentração nas ciências humanas...

As áreas de engenharias e exatas no Brasil têm menor peso do que em outros países. Nosso mercado de trabalho não é receptivo às pessoas com essa formação. Tenho um irmão desempregado, doutor em física. As pessoas orientam sua formação também em função da demanda. Os cursos de pós-graduação no Brasil não foram feitos em função do mercado de trabalho da indústria. O mercado para mestres e doutores é o ensino superior, o trabalho em organismos mais ligados a ciências sociais e pesquisa. É muito provável que parte dos doutores que vemos se formando hoje sejam pessoas das próprias indústrias. Não creio nessa ideia de que existe um desajuste [entre a demanda da indústria e a formação na pós-graduação]. Isso precisa ser olhado do ponto de vista histórico. As áreas de engenharia no Brasil, por exemplo, sofreram grande declínio a partir da década de 1980. Quando a indústria volta a crescer, nota-se um aumento pela procura de engenheiros. Por exemplo, a área de geologia entrou em decréscimo durante muito tempo, não havia emprego, e o número de formados diminui ao longo do tempo. Hoje, a área de geologia voltou a ser importante. A engenharia naval praticamente sumiu no Brasil. As pessoas se formavam e não tinham para onde ir. Agora, graças à política do governo federal de querer comprar novamente no Brasil os equipamentos navais, a indústria de construção naval voltou a crescer. Mas não há recursos humanos para atuar no setor, porque a educação responde muito mais no longo prazo. O investimento não pode oscilar tanto. No fundo, tudo depende do investimento. A política de recursos humanos, nas condições que o Brasil tem, pode atender plenamente qualquer demanda. Não sinto que o sistema de educação seja um gargalo nesse nível.

- Onde estariam os gargalos para a ampliação do quadro de mestres e doutores nas empresas? Tem a ver com a intensidade tecnológica da nossa indústria?

A indústria aqui gasta pelo menos cinco vezes menos com P&D quando comparada à indústria dos países desenvolvidos. Nesse contexto, a demanda por recursos humanos de alto nível é bem menor. Os países desenvolvidos concentram muitos recursos em setores de alta tecnologia - justamente aqueles em que somos bastante fracos. O Brasil tenta corrigir isso com iniciativas como a política de informática e a lei "do Bem" [que criou os incentivos fiscais para inovação], mas não consegue ir contra um modelo que apresenta uma fraqueza tecnológica muito grande. São poucos os setores de alta tecnologia, e são esses que empregam mestres e doutores.

- Teríamos de mudar o perfil da pós-graduação no Brasil para passarmos desse modelo de formação de pessoas para o sistema acadêmico para um que forme pessoas para atuar no setor industrial privado?

Não diria que seja necessário mudar. Existem várias universidades com vocação para atuar em parceria com o setor empresarial. Faculdades de engenharia que já fazem esse papel de interface com o setor produtivo, onde o vínculo com empresas é tradicionalmente forte. O que talvez seja preciso é ampliar o número de universidades ou faculdades desse tipo. Uma das carências que a indústria aeronáutica sentiu, por exemplo, foi de engenheiros aeronáuticos. Temos o ITA, um excelente centro de formação e pesquisa, mas ele, sozinho, forma um número reduzido de pessoas. Temos a própria Unicamp, a UFSCar, a Coppe da UFRJ, a PUC do Rio e outras que fazem pesquisa em parceria com o setor privado.

- Por que mesmo setores considerados de alta intensidade tecnológica no Brasil, como o aeronáutico e o de produção de software, empregam poucos doutores?

A explicação é bastante óbvia. Na realidade, no Brasil se faz mais desenvolvimento do que pesquisa. Então as indústrias não precisam tanto de doutores. Talvez não só aqui seja assim. Faltam dados internacionais para comparar com o dado do Brasil sobre doutores. É de se supor que, se você faz mais pesquisa básica na indústria, uma pesquisa em que a troca de informações com outros pesquisadores e a publicação sejam aspectos centrais, a presença de doutores será mais importante. Há empresas que publicam muitos artigos científicos em periódicos importantes. A gente imagina que elas devam ter muitos doutores também. São pessoas da indústria, que fazem pesquisa muito próxima da pesquisa feita na universidade e falam um pouco a mesma linguagem, conseguem se comunicar com o sistema acadêmico. No Brasil, pesquisadores na empresa dificilmente publicam. A Embraer, por exemplo, desenvolve a aeronave. Ela precisa de engenheiros em grande quantidade, trabalhando em desenho de aeronaves, em conceitos. Agora, pesquisa propriamente dita, sobre novos materiais e outros temas, ela vai procurar na universidade. No setor de máquinas para escritório e equipamentos de informática, um dos mais expressivos em termos de contratação de doutores em 2003, quando estava em terceiro lugar, houve uma queda pela metade, de acordo com os números de 2005. Não sabemos o porquê: pode ter havido uma terceirização dessas pessoas, que passaram a trabalhar fora da empresa, em laboratórios que são contratados. Houve setores que cresceram bem, e outros prejudicados. A contratação de gente para P&D no setor químico cresceu, e para ele não houve política específica; outro caso é o de instrumentação, material óptico e de precisão, que vem crescendo expressivamente no Brasil. Para entender essas oscilações, se prosseguiram ou foram um fenômeno conjuntural, precisaríamos fazer um estudo setorial, mais detalhado. Do que se vê no atacado, percebe-se uma grande melhora.

(Janaina Simões, Inovação Unicamp, 13/4)


Data: 14/04/2009