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Casamento entre parentes extinguiu linhagem de reis europeus, diz estudo

Dinastia dos Habsburgos da Espanha chegou ao fim no século XVII. União entre primos ajudou a concentrar defeitos genéticos na família.

Carlos II da Espanha governava um império que ia do México às Filipinas, de Madri à Itália e aos Países Baixos. Por outro lado, aprendeu a falar só aos quatro anos de idade e a andar, apenas aos oito, além de sofrer de fraqueza muscular, vômitos, diarreias, edemas (inchaços), ejaculação precoce e impotência. Não por acaso, Carlos II não deixou herdeiros e foi o último membro de sua dinastia, os Habsburgos da Espanha.

Pesquisadores espanhóis acabam de mostrar o porquê disso: a dinastia espanhola casou tanto entre si, forçando uniões entre parentes, que provavelmente virou um laboratório de doenças genéticas.

A infeliz história reprodutiva da Casa de Habsburgo está descrita num artigo recém-publicado na revista científica de acesso livre "PLoS One". A equipe coordenada por Gonzalo Alvarez, do Departamento de Genética da Universidade de Santiago de Compostela, usou dados históricos sobre os casamentos da família e sobre os filhos gerados neles para entender a razão das doenças, das mortes prematuras e da falta de herdeiros que culminou com a extinção da dinastia.

O resultado não é nada bonito. Após vários casamentos entre tios e sobrinhas, primos e primas de primeiro grau e primos e primas de segundo grau, os Habsburgos da Espanha acabaram gerando indivíduos com herança genética muito "fechada" -- como se fossem filhos de pai com filha ou de irmão com irmã, na prática.

É o caso de Carlos II e de outro rei da dinastia, Filipe III, além do príncipe dom Carlos, filho de Filipe II e da rainha Maria de Portugal. No total, mais de 80% dos casamentos da família podem ser considerados consangüíneos (envolvendo parentes do nível de primos de segundo grau ou mais próximo).

Parentesco aumentando

Alvarez e companhia estudaram mais de 3.000 indivíduos, ao longo de 16 gerações da família, e repararam que o grau de semelhança genética entre os membros da dinastia aumentou quase dez vezes desde que ela assumiu o trono da Espanha no começo do século XVI.

Os geneticistas fazem isso calculando o chamado coeficiente de consanguinidade. Esse coeficiente é a probabilidade de alguém receber duas cópias idênticas de um gene, uma vinda do pai e outra da mãe, porque ambos tinham um ancestral comum que legou esse gene a eles.

Se parece complicado, lembre-se do seguinte: todos nós recebemos metade do nosso DNA do pai e metade, da mãe. Para ser mais exato, cada gene do DNA humano vem em duas versões, uma materna e outra paterna. Se seu marido ou sua mulher tem parentesco próximo com você, a chance de ambos carregarem o mesmo tipo de gene, e passarem duas versões iguais para os filhos, aumenta. 

Esse fato foi péssimo para os Habsburgos porque, além do parentesco direto com seus maridos ou suas mulheres, eles já eram aparentados lá atrás, porque a família tinha casado há séculos com outras dinastias da Europa. Isso fez com que versões iguais de genes se concentrassem em seus descendentes, o que facilita o aparecimento de doenças genéticas.

O motivo é simples: normalmente é preciso carregar duas cópias de um gene defeituoso para desenvolver uma doença genética séria. Em geral, se a pessoa carrega um gene defeituoso e um gene sem problemas, o gene "saudável" impede que a doença se manifeste. Mas, se ambas as cópias de DNA têm problemas, o desastre é quase certo.

Foi isso o que parece ter acontecido com os Habsburgos -- para se ter uma ideia, a mortalidade infantil da família é muito pior do que a registrada entre moradores de vilarejos espanhóis no mesmo período histórico.

No caso extremo de Carlos II, que morreu com aparência de velho aos 39 anos, os problemas de saúde eram tantos que o rei ganhou o apelido de "el Hechizado" ("o Zicado", em tradução livre). Sem conhecimento nenhum de genética, o povo e os nobres da Espanha atribuíam a péssima condição mental e física do rei à influência de bruxas e demônios.

 

(G1, 15/4)


Data: 15/04/2009