topo_cabecalho
Aumenta cobrança sobre estagiários

Veja como responder às novas demandas e garantir sua vaga de trabalho

 

Competências profissionais e habilidades pessoais que antes eram cobradas exclusivamente de profissionais seniores começam a aparecer também nos anúncios de programas de estágio e trainee das grandes empresas. Além da fluência em línguas estrangeiras, muitas companhias têm exigido experiências profissionais e acadêmicas, espírito de liderança, iniciativa, pró-atividade, flexibilidade e criatividade.

 

Esse tipo de exigência, para a gerente técnica de estágios do CIEE (Centro de Integração Empresa- Escola), Sylvana Rocha, é conflitante com o nível hierárquico dos estudantes e recém-formados. "O estágio é um processo de aprendizagem. Mas as empresas cobram perfis semelhantes ao de profissionais", diz ela. Cobranças que, para Sylvana, dificultam ainda mais a inserção dos jovens no mercado de trabalho.

 

O diretor de recursos humanos da Claro - empresa de telefonia móvel -, Sergio Piza, reconhece o alto nível de exigência das empresas em relação à seleção de jovens. No entanto, ele aponta a atitude como conseqüente da lei de mercado. "A competitividade é cada vez maior e o único fator que garante a sustentabilidade de um negócio em longo prazo é a empregabilidade dos melhores talentos. Tecnologias e investimentos são passageiros", afirma ele.

 

A alta demanda por postos de trabalho também contribuiria para a mudança da atitude dos empresários, conforme aponta Seme Arone Júnior, presidente da Abres (Associação Brasileira de Estágios). "O número de concorrentes é muito maior do que a oferta de vagas, o que dá às empresas margem para ampliar as exigências requeridas", explica ele. Arone Júnior se baseia em dados da Abres, que indicam que, dos 4,8 milhões de estudantes de nível superior no Brasil, apenas 650 mil conseguem oportunidade de estagiar.

 

Esse movimento, na opinião de Arone Júnior, é natural e não pode ser considerado abuso, desde que respeite a nova lei de estágio. "É preciso respeitar as horas de estágio e, principalmente, o objetivo central do programa, que é contribuir para o processo de aprendizagem do estudante", defende ele, que diferencia a situação dos estagiários em relação à atividade dos trainees, que não é regulamentada. "No caso dos trainees, não há nenhuma restrição e as cobranças ficam a cargo da empresa", acrescenta ele.

 

Ainda assim, há diferenças entre seleção apurada e recrutamento de mão-de-obra qualificada a baixos custos, explica Arone Júnior. "A lei separa muito bem educação e trabalho. Quando esses limites são ultrapassados, aí sim podemos considerar abuso", acredita ele, que recomenda o boicote por parte dos estudantes às empresas que agirem de má fé. O presidente da Abres cita como exemplo de abuso a cobrança de experiência aos estudantes. "Se o programa visa contribuir para o processo de aprendizagem, não há justificativa para o requerimento da vivência profissional", diz.

 

A legislação brasileira, porém, não tira da empresa a autonomia de seleção dos seus estagiários e trainees. Ainda sim, a professora de recursos humanos e gestão de pessoas da UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), Marinalva da Silva, acredita ser necessário bom senso por parte dos empresários. "As cobranças não podem ser desproporcionais ao que a empresa necessita e devem estar associadas às atividades que serão desenvolvidas pelo estagiário", declara ela. "Exigir por exigir é prejudicial para a empresa que subutilizará o potencial do jovem e o frustrará", alerta Marinalva.

 

Segundo Sylvana, essa tendência cada vez mais comum de cobranças maiores sobre estudantes e recém-formados é reflexo da visão empresarial. "Os empregadores procuram contratar estagiários de olho em futuros profissionais", explica ela. Sylvana também acredita que o rigor desnecessário pode contribuir à perda de bons talentos. "Nem sempre quem tem os melhores conhecimentos técnicos é melhor profissional. Há quem não teve oportunidade de adquirir fluência no inglês, mas que é tão ou mais competente do que quem domina o idioma", assegura ela.

 

A pró-reitora de graduação da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Solange Ketzer, tem opinião diferente. Para ela, "exigir é respeitar", e as empresas devem ir atrás de candidatos engajados à sua cultura empresarial. "Se há exigências e elas estão conectadas aos costumes da empresa não é abuso, é respeito ao seu histórico", opina ela.

 

A experiência da psicóloga da Companhia de Talentos, Sofia Esteves, no entanto, comprova que, quanto maior a cobrança, menor o número candidatos. "A fluência no inglês, por exemplo, já elimina de 60 a 70% dos candidatos", exemplifica ela. Segundo Sofia, das 700 mil vagas disponíveis pela Companhia de Talentos em 2008, 2,3 mil oportunidades não foram preenchidas. "Isso foi ocasionado, principalmente, pelo alto grau de exigência das empresas", afirma ela.

 

Esse tipo de exemplo pode ser encontrado em muitos programas de estágio e trainee. Claudia Morgental, chefe de seleção da Philips, reconhece essa dificuldade e ilustra a situação descrita por Sofia. "Para 20 oportunidades abertas na Philips para o segundo semestre de 2009, por exemplo, temos mais de 20 mil inscritos. Nem todos os candidatos, no entanto, correspondem ao perfil desejado", revela.

 

Adequação x formação

 

O pró-reitor de ensino de graduação da UFPA (Universidade Federal do Pará), Licurgo Brito, faz uma crítica a busca de culpados pela falta de preparo de parte dos estagiários para as exigências cada vez maiores das empresas. Ele afirma que são descabidos eventuais questionamentos sobre a adequação da formação dos jovens estudantes às demandas do mercado. "A preocupação da universidade não deve ser exclusivamente a formação de profissionais para o trabalho, mas a formação de cidadãos do mundo, capazes de contribuir para a melhoria da sociedade como um todo", critica ele.

 

Nesse aspecto, Brito acredita que a maioria das instituições cumpre seu papel. "Há uma mudança no processo de ensino e aprendizagem com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de competências sociais e técnicas. Temos de formar alunos pesquisadores, com autonomia para a construção do conhecimento. Com a velocidade das mudanças tecnológicas, se ele ficar restrito aos conhecimentos adquiridos na faculdade, não se adequará às exigências do concorrido mercado de trabalho", explica o pró-reitor.

 

Sylvana, no entanto, acredita que o distanciamento entre a universidade e a empresa ainda tem atrapalhado a formação dos profissionais e, por maiores que sejam os esforços das instituições de ensino, muitas vezes os estudantes se decepcionam por não terem oportunidade de colocar em prática o que aprenderam em sala de aula e por não aprenderem na universidade o que fazem no estágio.

 

Ainda que Solange reconheça esse distanciamento, ela afirma que as diretrizes curriculares são pertinentes ao que exige o mercado de trabalho. "As mudanças no mundo dos negócios são muito mais rápidas do que do universo acadêmico, principalmente por causa dos processos burocráticos para atualização de uma grade curricular. É essa a lacuna que existe entre esses dois segmentos", avalia a pró-reitora da PUCRS, que atribui a responsabilidade de encobrir esse buraco aos próprios estudantes. "É preciso, primeiro, refletir sobre o que o mercado de trabalho espera de uma formação na sua área. Depois, fazer uma auto-avaliação e correr atrás das competências que lhe faltam. Muitas delas podem ser conseguidas dentro da própria universidade com cursos de extensão", defende ela.

 

Perfil desejado

 

Mas o que afinal as empresas querem dos candidatos que vão contratar? Os requisitos feitos aos aspirantes a vagas de estágio e trainee, segundo o presidente da Abres, incluem conhecimentos em idiomas estrangeiros, em informática e, principalmente, o domínio da Língua Portuguesa. "Há muitos casos em que o candidato se preocupa muito com as habilidades técnicas e se esquecem do básico, a língua pátria, e não passam no processo seletivo", conta ele.

 

O grande diferencial, de acordo com Sofia, está principalmente nas características comportamentais. "Além das exigências consideradas comuns, as empresas buscam candidatos com nível de maturidade maior. Ou seja, estudantes que tenham iniciativa, flexibilidade e determinação", aconselha ela. Para Sylvana, as competências avaliadas variam de acordo com a empresa. "O perfil geralmente é traçado de acordo com a cultura organizacional", resume ela.

 

É o que, de acordo com Piza, acontece no processo seletivo do Programa de Novos Talentos da Claro. "A empresa quer jovens que gostem de aprender, tenham agilidade para tal e motivação para colocar essa vontade em prática", enumera ele. O mesmo acontece nas seleções da Philips, conforme explica a chefe de seleção da companhia. "Há grande variedade e diversidade nas vagas de estágio. Nem todas exigem conhecimentos de inglês e nenhuma cobra experiência profissional. Queremos estudantes que queiram se desenvolver pessoal e profissionalmente, que estejam antenados com o mundo, trabalhem em equipe e tenham ética", descreve Claudia,

 

Ela acrescenta ainda que conhecimentos técnicos só são exigidos quando necessários para o desenvolvimento do programa. Apesar disso, Claudia admite que as melhores chances são para estudantes mais preparados. "Competências técnicas complementares nem sempre são requisitos, mas não há como negar que em um processo seletivo concorrido serão consideradas diferenciais", assume ela.

 

A mudança na avaliação dos processos seletivos, mais voltadas para as habilidades comportamentais, na opinião da gerente do CIEE, é um fator que contribui para aumentar o acesso dos jovens ao mercado de trabalho. "Hoje, a avaliação não considera mais a universidade, mas está muito mais voltada às suas próprias competências. Desta forma, não há restrição ou preferência aos alunos de instituições de ponta", garante Sylvana.

 

(Universia)


Data: 23/04/2009