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Artigo - O equívoco do vestibular unificado

Amauri Fragoso de Medeiros

 

Como sempre acontece, o governo Lula utiliza-se do açodamento para implementação de suas propostas. O caso mais recente é o vestibular unificado através do “novo ENEM”. O prazo dado às universidades para discutir o projeto foi de apenas 22 dias. Lançado no dia 08 de abril, as universidades teriam que responder até o dia 30 de abril se aderiam ou não a esta nova iniciativa do governo.

 

O atual governo parece querer zerar a história e começar hoje como se fossem os mensageiros da luz. Eles precisam entender que há muito mais capacidade de discernimento no povo brasileiro do que eles pensam. No frigir dos ovos a proposta oficial, está impregnada pela idéia de preparar o jovem para o “futuro”, para um mercado de trabalho que já não existe mais, preparar para este “futuro”, é preparar para o vazio.

 

O documento do governo intitulado NOVO ENEM E SISTEMA DE SELEÇÃO UNIFICADA no parágrafo I item 1 afirma que a modificação do formato do Exame Nacional do Ensino Médio (novo ENEM), com a realização das provas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias, e Matemática e suas Tecnologias - e a consequente valorização dos conteúdos acadêmicos próprios do ensino médio, gera a possibilidade de utilização dos resultados desse exame para a seleção dos ingressantes no ensino superior.

 

Isto significa a criação de um vestibular unificado nacionalmente. O uso de exames nacionais (tipo SAEB, Prova Brasil, ENEN, ENADE) enquanto ferramenta de avaliação, seja de estudantes, seja de instituições educacionais, tem que se considerar efetivamente a estrutura e o funcionamento das mesmas. Não se pode avaliar sem se levar em conta às condições que elas colocam à disposição dos atores que a freqüentam, sejam estudantes, professores ou técnicos administrativos.

 

A estrutura física, seja salas de aula, biblioteca, laboratórios etc. O projeto pedagógico, desde das interações entre estudantes, professor e técnicos, o material didático utilizado etc. Além disso, não podemos esquecer as condições de trabalho e salário dos professores e técnicos.Todos este parâmetros são diferenciados em todas as regiões do país, entre as instituições, sejam elas, públicas ou privadas, conseqüentemente, se isto não for considerado, qualquer avaliação de ordem nacional não revelará a real situação deste sistema imensamente complexo e será fundamentalmente metafórica e injusta.

 

Na parte que se refere a inscrição, o candidato optará por concorrer, podendo escolher até cinco opções de cursos e instituições de sua preferência, independentemente do local de sua residência. Não sendo necessário haver vinculação entre as opções, de modo que o candidato poderá escolher cursos diferentes em instituições distintas, em diferentes cidades do Brasil. Essa proposta, apesar de parecer democrática, é elitista pois é embasada numa mobilidade que só favorece os mais ricos e que puderam estudar em escolas privadas.

 

Isso pode ser confirmado no resultado do ENEM de 2008.As melhores notas do ENEM foram de escolas particulares e localizadas na região sudeste. Como a proposta do MEC prevê que cada candidato pode escolher até 5 instituições, certamente que os que estudam nas regiões norte e nordeste entrarão em desvantagens, em especial os oriundos das escolas públicas. Os piores resultados aparecem nas escolas públicas mantidas pelos Estados: 73,4% dos seus alunos estudaram em colégios abaixo da média. Na rede particular, a taxa foi de 2,4%. O melhor desempenho apareceu na rede federal (1,9%).Das 20 escolas com as maiores médias no ENEM, 15 são da rede particular.Entre as públicas, quatro são escolas ligadas a universidades públicas e uma é militar. Por outro lado, todas as 20 piores são estaduais; dessas, oito são indígenas.A comparação entre as escolas também reflete a situação econômica do país. Das 20 melhores, 16 são do Sudeste, enquanto entre as 20 piores, 15 são do Norte e Nordeste.

 

Mesmo que esta mobilidade fosse possível, quem pagaria os custos dos estudantes migrantes? Alguém acredita que o governo financiará estas despesas? De quanto um estudante ­ morando em outra cidade precisaria para alimentação, moradia, lazer, aquisição de roupas, livros, etc? Se pensarmos no caso da nossa UFCG, mal se tem orçamento para manter o restaurante funcionando (para poucos). As dependências para residência universitária são ínfimas.

 

Na realidade, o governo copia o The National Assessment of Educational Progress” (NAEP), nos Estados Unidos. É neste momento em que os elaboradores da proposta do governo cometem um equívoco gravíssimo.Este exame lida, apenas e tão somente, com a Aferição de Resultados Educacionais, mas não lida com a avaliação da educação em qualquer hipótese, constituindo-se em mecanismos que reforçam os sentimentos já disseminados pelas pedagogias da reprovação, da seleção e conseqüente exclusão que tão intensamente caracterizam os três níveis da nossa Educação Formal.

 

Segundo a Professora da UFPE, Dra. Telma Mildner, este erro conceitual grave assume absoluta equivalência entre os conceitos e a prática da Testagem, Verificação e Avaliação.  Em todas as áreas de conhecimento, e em todos os níveis e tipos de ciências, a testagem, utilizada para aferir, para verificar – e tão somente para possibilitar a aferição, a verificação – do estado atual de grau e de extensão qualitativa-quantitativa com os quais Resultados de Aprendizagens se manifestam em qualquer Sistema Educacional.

 

Os testes utilizados nesses exames, visivelmente não abordam questões sobre tipos e modos de metodologias de ensino-aprendizagem, de recursos de ensino e de aprendizagem, de literatura utilizada e de livros didáticos adotados.

 

Enfim, qualquer sistema de Avaliação de Resultados Educacionais, necessariamente, deve ter o processo pedagógico em seu todo e em seus componentes como objeto de análise, não se restringindo à verificação de resultados de aprendizagem. A avaliação não pode servir como mecanismo ou instrumento de aferição, porque, exatamente a aferição nela encontra-se inserida, sendo dela parte integrante.

 

 

Amauri Fragoso de Medeiros é professor da Unidade Acadêmica de Física da UFCG


Data: 05/05/2009