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Especialistas temem "apagão científico" no Brasil

Para o presidente da SBPC, Marco Antônio Raupp, é preciso rever a legislação voltada para a área científica e tecnológica

O Brasil corre o risco de um apagão científico. A constatação vem de especialistas ligados à área científica e tecnológica. Eles denunciam que estudos sobre biofármacos, o desenvolvimento do trem de levitação magnética do Rio de Janeiro e até projetos voltados para a exploração da camada pré-sal estão ameaçados de não saírem do papel. A ameaça, apontam, vem das mudanças na atuação das fundações de apoio às universidades federais.

As regras impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado impedem as fundações de apoio de receberem diretamente recursos para projetos, como vinha acontecendo. Essa mudança teria provocado a escassez dos recursos para a investigação científica e aumentado a burocracia para a gestão das propostas. O resultado, dizem os pesquisadores ouvidos pelo JB, é uma apatia no meio acadêmico, com cientistas trocando os laboratórios pelas salas de aula e a interrupção de pesquisas em vários campos.

- A situação está difícil. Os professores estão com medo de gerir projetos por causa da falta de segurança jurídica advinda de interpretações conservadoras da lei das fundações - diz Marco Antônio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A avaliação é compartilhada por Ivan Camargo, professor do departamento de engenharia elétrica e integrante do Conselho Superior da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) da Universidade de Brasília (UnB).

- Enfrentamos dificuldades de todo tipo, mas a pior é a apatia. O professor que conseguia equipar seu laboratório e arrecadar recursos para pesquisas ficou tachado de mercenário - desabafa. - Se aparece um projeto, ele declina, pois não quer ser chamado de ladrão. Prefere ficar apenas em sala de aula.

Privatização do conhecimento

Segundo Camargo, não fossem as fundações de apoio das universidades federais, muitos laboratórios estariam fechados. Ele acredita que, sem a atuação dessas instituições, em cerca 10 anos as estruturas montadas estarão obsoletas e a pesquisa fundamental terá migrado para o setor privado, que passará a ser procurado para parcerias, no lugar das fundações.

- Estamos privatizando a pesquisa. Além disso, esse questionamento retira a agilidade necessária ao desenvolvimento dos projetos e acabará por atrasar o desenvolvimento tecnológico. Se formos ter que aguardar licitação para comprar um reagente, por exemplo, é melhor fechar a fundação, que perde sua função - defende Camargo.

Diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa acusa as mudanças implementadas pelo TCU de prejudicarem apenas as pesquisas feitas pelas universidades públicas, provocando uma inversão de valores que deveria ser combatida pelas autoridades.

- Do ano passado para cá, vimos o estrangulamento das fundações. Temos hoje uma conspiração dos setores jurídicos, com uma mentalidade burocrática que só ataca as fundações públicas e favorece as entidades privadas, que podem receber recursos. Isso é um estímulo à imoralidade - dispara.

Parcerias

Para o presidente da SBPC, as mudanças comprometem as parcerias com as fundações de apoio, que tinham como objetivo flexibilizar e dar melhores condições de trabalho para que a produção do conhecimento chegasse à sociedade.

- Esse mundo da produção do conhecimento está sendo demandado a contribuir no desenvolvimento econômico das nações. Precisamos transformar o conhecimento em riqueza econômica, como fizeram os Estados Unidos. A Coppe mostrou o caminho na parceria com a Petrobras - ressalta Raupp.

Para TCU, papel das fundações foi desvirtuado

As mudanças que provocaram tantos protestos no meio científico foram implementadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em novembro do ano passado. Um acórdão do tribunal determinou que as fundações de apoio às universidades públicas não poderiam mais agir à margem da Lei 8.666/93, que regulou as contratações do serviço público.

O entendimento do tribunal é de que a Lei 8958/94, que regulou o funcionamento das fundações, prevê que essas entidades, por serem de apoio às universidades públicas, têm o direito de interagir com as instituições de ensino às quais estão ligadas. E só.

Para o TCU, as fundações podem ser contratadas pelas universidades. Até então, essas entidades de apoio valiam-se da lei das fundações para receber diretamente recursos de agências de fomento como a Financiadora de Estudos e Projeto (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O TCU bateu o martelo e proibiu a triangulação financeira. Apesar da determinação do tribunal, as novas regras só valerão a partir de março de 2010. A prorrogação atendeu um pedido do Ministério da Ciência e Tecnologia, que ouviu os apelos de reitores pedindo tempo para se adequar.

- A decisão foi tomada para dar mais transparência ao uso dos recursos públicos e para que as fundações passem a trabalhar dentro dos limites da lei - justifica o ministro do TCU Aroldo Cedraz, que coordenou os trabalhos do tribunal sobre as fundações de apoio às universidades públicas.

O acórdão consolidou uma série de decisões anteriores do tribunal em relação às fundações. A primeira delas data de 1982, antes mesmo da lei que regulou o funcionamento dessas entidades. No ano passado, o TCU deu início a uma fiscalização de orientação centralizada. O objetivo era fazer um diagnóstico das relações das universidades públicas com as fundações de apoio. O alarme veio das denúncias de irregularidades que explodiram na mídia.

Segundo o ministro, a ação foi necessária para que as fundações deixassem de extrapolar os limites de sua atuação e não se distanciassem da natureza de suas funções.

- O volume de processos envolvendo as fundações era enorme. O tribunal não podia mais ficar aceitando esse status quo. As fundações foram desvirtuadas ao longo do tempo. Nossa intenção foi contribuir para a autonomia das universidades, mas sem permitir ilegalidades - explica Cedraz.

Para Marco Antônio Raupp, é preciso rever a legislação voltada para a área científica e tecnológica.

- Os principais impasses hoje não são mais de recursos. O problema é o marco legal. É preciso rever a legislação. A lei de licitações é para grandes obras, mas não é adequada para a ciência. Precisamos de recursos humanos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) precisaria de 500 técnicos, pesquisadores e engenheiros para responder plenamente ao que estão pedindo dele. É preciso outro regime de contratação - defende Raupp.

 

(Jornal do Brasil, 16/5)


Data: 18/05/2009