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90% dos analfabetos estão fora de cursos

A dois anos do prazo para meta oficial de erradicar problema, 14 milhões de brasileiros ainda declaram não saber ler nem um bilhete. Na região metropolitana de São Paulo, a mais rica do país, índice de jovens e adultos analfabetos caiu só 0,67 ponto percentual em 4 anos

Parelheiros, Campo Limpo e Capela do Socorro, bairros da zona sul de São Paulo, concentram um tipo de personagem que as políticas públicas têm dificuldade de alcançar na quinta maior metrópole do planeta: jovens e adultos que não sabem ler nem escrever um bilhete simples. Ao lado da maioria absoluta dos analfabetos brasileiros com 15 anos ou mais, eles estão fora das salas de aulas.

Segundo dados colhidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e analisados pelo Ministério da Educação, mais de 90% dos analfabetos absolutos do país não frequentam classes de alfabetização, apesar da crescente oferta de vagas do principal programa federal, o Brasil Alfabetizado.

No Estado de São Paulo, apenas 4,5% dos jovens e adultos analfabetos frequentam cursos de alfabetização. No país, o percentual é ainda menor: 3,9%.

"Mais de 90% estão fora das classes. É um problemão", diz Jorge Teles, diretor de políticas de educação de jovens e adultos do MEC. Segundo ele, muitos dos que frequentam as aulas do Brasil Alfabetizado já não eram analfabetos. Além disso, a evasão é muito alta. Com a falta de continuidade nos estudos, 45% dos que já haviam frequentado classes de alfabetização voltam a se declarar analfabetos.

As dificuldades no combate ao analfabetismo inviabilizam a mais recente meta oficial, de erradicar o problema em 2011. A dois anos do fim do prazo, mais de 14 milhões de brasileiros, ou 10% da população acima de 15 anos, ainda declaram não saber ler nem um bilhete com meia dúzia de palavras.

Ritmo lento

Dados processados pelo MEC mostram que a região metropolitana de São Paulo, maior polo de riqueza do Brasil, avança lentamente. A proporção de jovens e adultos que não sabem ler caiu 0,67 ponto percentual em quatro anos.

De 2004 a 2007, o índice de analfabetos absolutos passou de 4,44% da população para 3,77% - queda de 15%. Um ligeiro aumento da proporção chegou a ser registrado entre os dois primeiros anos da série medida pelo IBGE.

No Nordeste, onde a União concentra esforços do Brasil Alfabetizado, as taxas de jovens e adultos que não sabem ler nem escrever um bilhete foi de 22,43% para 19,94%. A redução, de 11%, é pequena diante da dimensão do problema.

Números oficiais mostram que 582 mil jovens e adultos da região metropolitana de São Paulo são analfabetos absolutos. Isso significa que a capital paulista e seu entorno têm um a cada três analfabetos absolutos que habitam as nove regiões metropolitanas do país. Elas, por sua vez, registram a sétima parte dos pouco mais de 14 milhões de analfabetos no país.

O maior número de analfabetos absolutos brasileiros mora na Bahia. Em segundo lugar está o Estado de São Paulo, que detém, sozinho, pouco mais de 10% do total jovens e adultos que mal assinam o nome.

Perfil

"Esse é um problema com o qual a metrópole convive 'sem ver'", diz Salete Camba, diretora do Instituto Paulo Freire, ao traçar um perfil do analfabetismo local, concentrado entre desempregados ou trabalhadores informais, moradores de periferias ou favelas da capital.

No Estado, o problema é notável nos municípios cuja economia está atrelada à cana-de-açúcar. Das 645 cidades paulistas, apenas 20% participam do Brasil Alfabetizado. O Estado tampouco aderiu ao programa.

Há um dado mais grave nesse perfil, diz Camba, a ser detalhado pelo próximo censo do IBGE a partir de 2011. Jovens de 16 a 25 anos são os que mais resistem a participar das turmas de alfabetização. Motivo? "Vergonha", estima ela.

Dos analfabetos absolutos da região metropolitana de São Paulo, 7.000 têm de 15 a 17 anos; no país, o índice chega a 2% do total. Os números fogem ao perfil comumente traçado do analfabeto brasileiro: nordestino da zona rural com mais de 50 anos.

Analfabetismo zero é inviável, diz secretário

Eliminar o analfabetismo é uma missão quase impossível, avalia o secretário de Educação de São Paulo, Paulo Renato Souza. "Quanto menor a taxa de analfabetismo, maior a dificuldade de localizar e atrair os que não sabem ler nem escrever", disse o secretário. "100% de alfabetizados ninguém no mundo tem."

Para o governo estadual, o fato de o Estado ocupar a segunda posição na lista dos Estados com o maior número de analfabetos no país decorre da concentração de 23% da população nacional em seu território.

"A redução dessa taxa, por fenômenos estatísticos que apenas refletem as dificuldades práticas, tende a ser mais lenta do que em Estados em que os números são elevados", diz.

O governo alega que o combate ao analfabetismo de adultos não é responsabilidade da administração estadual, mas anunciou o lançamento do programa Alfabetiza São Paulo, voltado a jovens e adultos.

Posição do MEC

André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, disse que a proporção relativamente baixa de analfabetos em São Paulo não significa que o problema não exista.

"Em termos absolutos, é o segundo maior número de analfabetos do país. É preciso olhar o direito desses indivíduos, é uma questão de enfoque da política", afirmou.

Lázaro espera aumentar, em 2009, o número de analfabetos em classes do Brasil Alfabetizado, principal programa federal, ao qual nem o Estado nem a prefeitura paulistana aderiram.

"Se conseguirmos que 50% dos matriculados sejam alfabetizados, será um bom resultado", calcula. Nos últimos anos, a contribuição do Brasil Alfabetizado na redução do analfabetismo ficou entre 0,2 e 0,4 ponto percentual na taxa do país.

Outros fatores contribuem para a redução: o menor número de jovens que passa dos 15 anos sem saber ler e a queda nas taxas de natalidade e a morte dos analfabetos idosos.

Lázaro avalia que a maioria dos analfabetos fica fora das classes por três motivos: não encontra turmas próximas, não está interessada ou não acredita que possa aprender.

O secretário diz que persegue a redução dos atuais 10% para 6,7% em 2015, segundo compromisso de 2000, da Conferência Mundial de Educação, em Dacar (Senegal): "Não falo em erradicação, porque supõe um zero que não existe".

Também questionada, a Prefeitura de São Paulo não se manifestou até a conclusão desta edição.

Analfabeto se sente impotente, diz pesquisadora

Fabiano, personagem sertanejo de "Vidas Secas", o analfabeto mais notável da literatura brasileira, "dava-se bem com a ignorância", escreveu Graciliano Ramos, mas sonhava com os filhos na escola "aprendendo coisas difíceis e necessárias".

Mais de seis décadas depois da publicação do romance, pesquisa da psicóloga Ana Lúcia Paes de Barros, da Universidade Estácio de Sá, constatou que a maioria dos analfabetos percebe o analfabetismo como uma espécie de impotência parecida com a vivida por Fabiano.

"A maioria deles fala disso quando perguntamos como é ser analfabeto: humilhação e impotência são sentimentos que aparecem muito frequentemente", afirma Ana Lúcia, que pesquisou jovens e adultos em processo de alfabetização.

Ela observa que esse tipo de percepção é mais forte nas cidades do que na zona rural ou em pequenas cidades do interior. "Nas cidades, quem não lê placas fica perdido, é como se fosse um estrangeiro na sua própria vizinhança", compara.

A pesquisa mostrou que ganhar autonomia para atividades simples do dia-a-dia, como ir ao banco ou andar de ônibus, são objetivos mais citados entre os alunos de classes de alfabetização para jovens e adultos do que a vontade de ler livros ou revistas. Conseguir trabalho foi o objetivo mencionado pela maior parte das pessoas ouvidas na pesquisa.

(Folha de SP, 14/6)


Data: 15/06/2009