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Menos de 2% dos doutores vão para a indústria

Maior parte está na universidade; inovação industrial pode aumentar faturamento em 9,6%, aponta estudo

 

Com a recente média alcançada de cerca de 10 mil doutores formados por ano, o Brasil ainda não conseguiu levar esses profissionais para dentro das empresas, mantendo a maior parte na academia. Estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que apenas 1,9% dos 26 mil doutores empregados está na indústria, enquanto 66% permaneciam na universidade. Outros 18% estão empregados no setor público.

O trabalho usou como base a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) - que concentra o cadastro de pessoas empregadas no País - e dados do ano passado. "Nosso sistema de formação acadêmica já foi estruturado para abastecer o ensino superior. E essa cultura de formação para a universidade se mantém", afirma um dos autores do trabalho, Divonzir Gusso.

"No próprio sistema de avaliação da pós-graduação o que menos conta é a produção técnica. Se um professor publicou dois artigos no exterior e produziu cinco patentes, o que vale são os artigos", completa ele.

A partir de 2004 a produção de artigos passou a ter o mesmo peso do registro de patentes na avaliação dos mestrados e doutorados feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes). "Esse foi um problema que detectamos e a avaliação foi mudada", diz o presidente da Capes, Jorge Guimarães.

Ainda assim, o próprio governo brasileiro valoriza e faz propaganda da colocação do País no ranking internacional de artigos - estava na 13ª posição no ano passado, com 2,12% da produção internacional. No entanto, no ranking de registro de patentes, que representa a inovação de produtos e processos, o Brasil estava em 24º lugar em 2007 (dado mais recente), com apenas 384 patentes registradas de origem nacional.

Inovar e competir

Apesar da dificuldade das universidades brasileiras em produzirem doutores para a indústria, o outro lado também tem parcela de culpa, dizem os pesquisadores do Ipea. "As empresas brasileiras recrutam poucas pessoas para fazer pesquisa e desenvolvimento. É muito recente a ideia da indústria nacional de que precisa competir no mercado externo e, para isso, precisa inovar", diz Gusso. "A tradição brasileira é de comprar a inovação quando adquire novos equipamentos."

O estudo revela, no entanto, o impacto que a pesquisa e o desenvolvimento têm no faturamento das empresas. A inovação de processos industriais pode aumentar em 9,6% o faturamento e um produto novo, em 6,25%. A contratação de doutores está ligada a esse resultado.

Nos últimos anos, o governo federal tem tentado aumentar a associação de indústrias com universidades para pesquisa. "As empresas têm uma relação ambígua com as universidades. Ao mesmo tempo em que têm respeito por aqueles que conseguem resolver os problemas enfrentados por elas, acreditam que a universidade é pouco prática", analisa Gusso.

O diretor de operações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi, admite que falta às empresas brasileiras uma cultura de absorver pesquisadores. "Mas nem sempre são necessários doutores para pesquisa e desenvolvimento. Muitas vezes podem ser apenas técnicos", diz. No Brasil, 23% dos cientistas trabalham em desenvolvimento e pesquisa em laboratórios industriais (índice que inclui doutores, mestres, mestrandos e graduados). Mesmo assim é baixo se comparado aos Estados Unidos (80%), Espanha (60%) e Coreia (54%).

O estudo não considerou 15,5 mil doutores formados entre 1996 e 2003 que não foram encontrados na Rais. Como o levantamento reúne praticamente todo o setor privado, o mais provável é que estejam na área pública.

Meta de 16 mil formados ao ano não deve ser cumprida

A meta de ter 16 mil doutores formados anualmente até 2012 dificilmente será alcançada. Para o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), Jorge Guimarães, essa é a principal razão para que as indústrias brasileiras tenham tão poucos doutores nos seus quadros. "Nossa produção de doutores é 10, 20 vezes menor do que deveria ser, por qualquer parâmetro - em relação à população, ao Produto Interno Bruto..."

Dos 10 mil doutores formados por ano, só 3,9 mil são das engenharias. Não há profissionais suficientes para atender a indústria, que compete com a universidade. "O sistema público tem mais convicção da necessidade de doutores e absorve mais", diz Guimarães.

O diretor de operações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi, credita o problema a uma cultura universitária. "A universidade não tem uma produção voltada para as necessidades da indústria. Apenas 5,3% das vagas de graduação no Brasil estão na área das engenharias", diz.

O governo ensaia aproximar universidade e indústria. Engenharias e computação são agora prioritárias para formação de mestres e doutores. Uma nova legislação permite que empresas invistam em pesquisa dentro das universidades e, em troca, tenham direito a parte da patente do produto.

Na última semana, o MEC anunciou a mudança na avaliação da Capes para permitir a criação de mais mestrados profissionais voltados para a indústria. "O País tem avançado, mas essas ações não trazem resultados de curto prazo", afirma Lucchesi.

(O Estado de SP, 7/7)


Data: 07/07/2009