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Cursinhos perdem até 80% dos alunos

Auge foi nos anos 70 e 80, quando os vestibulares das principais universidades ainda valorizavam o chamado "decoreba". Para consultor, expansão das faculdades particulares absorveu alunos menos preparados e ajudou a esvaziar os cursinhos

Com apogeu nos anos 70 e 80, quando eram uma etapa quase indispensável para os que tinham o objetivo de seguir estudos universitários, os cursinhos encolheram. Inexistem estatísticas oficiais sobre o setor, mas, após ouvir professores, empresários e consultores, a Folha apurou que os pré-vestibulares perderam de 70% a 80% das matrículas na comparação com a fase áurea.

O encolhimento é apenas a manifestação econômica da cultura que se constituía em elogio do saber enciclopédico, do chamado decoreba. Acabaram-se as aulas-show, em que professores inventavam paródias musicais para alunos memorizarem equações da cinemática, doenças causadas por protozoários, elementos químicos halógenos ou o número de pés no filo dos artrópodes.

Dono de uma consultoria educacional, Maurício Costa Berbel, aponta algumas causas. "Uma delas, certamente, foi o fato de os vestibulares das principais universidades e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) terem aposentado a ideia de que o melhor candidato a uma vaga no ensino superior seja aquele com mais capacidade de memorização."

Em vez disso, passou-se a valorizar o raciocínio e a transdisciplinaridade "e essa é uma característica difícil de ser aprimorada em classes com mais de cem alunos, como era comum nos principais cursinhos", afirma o consultor.

Mas o fator principal da queda foi a proliferação dos cursos superiores particulares, que teve início em meados dos anos 90. Para dar uma ideia do tamanho da ampliação, há hoje 2.200 instituições de ensino superior nas quais ingressam por ano quase 1,5 milhão de alunos. No início dos anos 1970, as não mais de 200 universidades ofereciam 80 mil vagas por ano.

Realistas, alunos menos preparados se deram conta de que dificilmente entrariam nas disputadíssimas vagas de universidades públicas; era melhor ir direto para uma faculdade particular e poupar seis meses ou um ano de mensalidade de cursinho, afirma Berbel. Sintomaticamente, foram as turmas do período noturno, aquelas frequentadas pelo público obrigado a trabalhar durante o dia, as que mais sofreram com a mudança. Vários cursinhos já nem oferecem essa opção.

Em 2005, veio o ProUni (Programa Universidade para Todos), o qual, ao conceder vagas gratuitas em faculdades privadas para alunos de baixa renda, ampliando ainda mais a possibilidade de acesso ao ensino superior, trouxe mais dificuldades aos cursinhos. Desde sua criação, o ProUni já ofereceu 888 mil bolsas.

Outro fator que contribuiu para a queda foi o advento dos chamados "cursinhos populares", a partir dos anos 90. Gratuitos ou com mensalidades que chegam a 1/ 10 do cobrado pelos tradicionais, eles geraram uma guerra de preços que acabou canibalizando o setor.

Quem ainda se dá bem no negócio dos cursos pré-vestibulares acabou reduzindo o número e o tamanho das turmas, focando-se em um público abonado, disposto a lutar por disputadíssimas vagas das melhores instituições, como medicina, engenharia e direito das universidades públicas.

Jorge Ovando, gerente de marketing do Intergraus - 900 alunos por ano, anuidades que em alguns cursos ultrapassam os R$ 10 mil -, explica que a aposta do grupo é em classes pequenas, extensas cargas horárias (mais de 44 horas por semana), tratamento personalizado. Opção idêntica fez, por exemplo, o curso Poliedro.

Esse movimento não significa que os grupos empresariais que mantinham os cursinhos estejam em extinção. Ao longo das últimas três décadas eles diversificaram suas atividades. Boa parte se expandiu para atender também o ensino médio e o fundamental. Alguns se tornaram universidades (são de proprietários de antigos cursinhos algumas das maiores universidades do país).

Exemplo disso é a Unip, que nasceu do cursinho Objetivo, com suas 130 mil matrículas (a USP tem 86 mil). Procurado pela reportagem para falar sobre o encolhimento do cursinho, o Objetivo não quis se pronunciar.

Sob críticas, Enem ainda é aprimorado

Bolado pelo MEC como forma de avaliar escolas e selecionar alunos para faculdades - pretende-se que substitua os vestibulares -, o Enem está longe de ser uma unanimidade. Nicolau Marmo, coordenador do Anglo Vestibulares, diz que o exame "está errado". Como tem muitos propósitos, acaba não servindo especificamente para nada. "Não faz uma coisa nem outra", diz.

Há, ainda, o risco de fraudes, que cresce à medida em que o exame ganha aceitação em faculdades mais concorridas. A prova terá de ser distribuída para 4,5 milhões de alunos em todo o país.

"O Enem é uma obra em andamento." É assim que Reynaldo Fernandes, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o órgão incumbido de preparar o exame, defende-o das críticas mais ácidas.

Fernandes diz que a possibilidade de fraude é uma das grandes preocupações do Inep. Para tentar assegurar o sigilo do exame, está previsto isolar a gráfica com agentes da Polícia Federal enquanto os testes são impressos e retardar ao máximo seu envio para os locais de prova - operação a ser feita com carros-fortes.

Segundo Fernandes, é preciso diferenciar a "cola" do vazamento: enquanto a primeira tem efeitos em geral autolimitados, o segundo pode ser devastador, em especial se ocorrer mais de 24 horas antes da hora da prova.

Embora o exame deste ano tenha apenas uma prova (apresentada em várias versões, em que a ordem das perguntas é embaralhada), a ideia é que as próximas edições contem com diversos modelos, nos quais as questões não sejam as mesmas. Segundo o presidente do Inep, um exame com várias dezenas de provas diferentes distribuídas aleatoriamente seria, para efeitos práticos, inviolável.

Segredo do novo exame é o modelo matemático

O segredo por trás do novo Enem é um modelo matemático que atende pelo nome de Teoria de Resposta ao Item (TRI). Desenvolvida nos anos 50 e 60, a TRI promete testes mais refinados, que permitem comparar alunos submetidos a provas diferentes e a performance de uma mesma instituição ao longo dos anos.

É a metodologia usada em provas já consagradas como o SAT (o Enem dos EUA) e o Pisa (usado para comparar sistemas de ensino de diferentes países). A ideia central é que cada questão ou item possui duas características especialmente relevantes: o grau de dificuldade e o de discriminação.

Parâmetros

Se a pergunta for fácil, será respondida por quase todos os que estão mais preparados e por parte dos que se mostram menos preparados; se for difícil, será respondida somente por alguns dos mais hábeis.

Já a discriminação traduz a eficácia com que o item distingue entre os mais e os menos competentes.

O que a TRI faz é reunir esses dois parâmetros em um modelo matemático que permite atribuir a cada candidato uma pontuação que leva em conta não só os acertos como também o grau de dificuldade de cada questão e a coerência nas respostas.

Com isso, nem todos os estudantes recebem os mesmos pontos pelos mesmos acertos. Um aluno que acertar uma questão difícil, sem ter resolvido um número razoável de outras mais fáceis, receberá por aquele acerto uma pontuação menor do que o aluno que tenha demonstrado coerência ao longo de toda a prova.

Evidentemente, o sistema precisa ser calibrado tanto para o grau de dificuldade como para o de discriminação de cada item. Uma série de testes com alunos de faculdade e das séries iniciais do ensino médio permitirá que o MEC forme grandes bancos de questões. A própria sucessão de exames refinará ainda mais o sistema.


(Folha de SP, 27/7)


Data: 27/07/2009