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Inglês quer "engenharia" da imortalidade

Cientista de Cambridge propõe nos EUA passo-a-passo para conter envelhecimento com técnicas já usadas em animais

Aubrey de Grey, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, declarou guerra ao envelhecimento. Trata-se de um combate de guerrilha – o único, segundo o pesquisador, com probabilidades de funcionar para valer.

Ao propor um conjunto de estratégias diferentes contra a velhice, Grey diz que é possível que uma pessoa com 55 anos viva hoje seja a primeira a comemorar seu milésimo ano de vida.

A proposta, nem um pouco modesta, foi feita por Grey ontem, durante o encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Progresso da Ciência, na sigla inglesa), em Saint Louis.

O pesquisador britânico, que se define como "gerontologista biomédico", diz que é preciso deixar de lado a idéia de que exista uma única solução mágica para deter o avanço da velhice e se concentrar no que ele chama de "enfoque de engenharia":

resolver os probleminhas do dia-a-dia do organismo que acabam levando à debilidade e à morte.

Grey já tem até um número: "Considero que existe uma chance de 50% de que, nas próximas duas décadas, consigamos criar terapias capazes de aumentar em 25 anos a expectativa de vida das pessoas de meia-idade", disse ele.

Se a previsão se confirmar, isso já daria aos pesquisadores o que ele chama de "velocidade de escape da longevidade".

Ou seja: os 25 anos a mais seriam suficientes para que tecnologias ainda mais avançadas surgissem, tão potentes que uma nova rodada de tratamentos tornaria os cinqüentões, agora com seus 80 anos, virtualmente imortais.

O buraco é mais embaixo

Grey, 42, de barba e cabelos longos e já grisalhos, baseia sua estratégia guerrilheira nos aparentes sucessos na luta contra o envelhecimento, já conseguidos em animais.

Bichos como camundongos, vermes e moscas-das-frutas já chegaram a gozar, em laboratório, do equivalente a várias vezes a sua longevidade normal, mas de um jeito um tanto radical.

Passavam por restrição calórica -ou seja, tinham sua dieta reduzida a níveis de fome o tempo todo- ou por modificações genéticas que simulavam o processo.

Além do óbvio desconforto de viver faminto, essa abordagem tem uma série de outros problemas, conta Steven Austad, da Universidade do Texas em San Antonio.

"Em todas essas tentativas, nós vemos uma diminuição da fertilidade, dificuldade para lidar com baixas temperaturas e susceptibilidade a doenças infecciosas", diz Austad.

E ninguém ia querer parecer jovem aos 70 mas morrer de resfriado.

Grávidos da morte

"É por isso que temos de adotar uma estratégia de dividir e conquistar", argumenta Grey.

Ele e Austad concordam que o envelhecimento e a morte são só o extremo final de um lento processo de acúmulo de danos e imperfeições na maquinaria do organismo.

Só para dar alguns exemplos, o DNA sofre estragos que comprometem a sua leitura, algumas células essenciais deixam de ser produzidas, moléculas nocivas se acumulam nas células.

Quando alguém é jovem, tais processos acontecem, mas o organismo consegue dar conta deles.

"Em vez de tentar impedir que tais danos surjam, coisa que seria muito mais complicada, temos de fazer com que as mudanças continuem sendo inofensivas", afirma.

O jeito de conseguir isso seria atacar separadamente um conjunto de problemas fundamentais relacionados, em última instância, com o envelhecimento.

Células-tronco, uma das grandes promessas da medicina, seriam usadas para repor os tipos de célula que o organismo não produz mais conforme a idade chega.

Vírus geneticamente modificados ajudariam na manutenção do DNA, evitando que ele sofresse mais erros ao longo do tempo ou dando ao corpo os mecanismos para consertar o material genético por si mesmo.

E bactérias poderiam digerir as moléculas indesejadas que se acumulam na forma de lixo tóxico biológico.

Grey nega que sua intenção de erradicar o envelhecimento seja arrogante ou desnecessária. "A velhice é realmente uma doença, no sentido de que ela é realmente ruim para a qualidade de vida das pessoas", argumenta.

O pesquisador de Cambridge pode estar exagerando no otimismo, mas até um aumento menos ambicioso na expectativa de vida seria capaz de causar uma reviravolta social no planeta, diz o biólogo Shripad Tuljapurkar, da Universidade Stanford.

Ele calculou o impacto sobre a população economicamente ativa do mundo caso a expectativa de vida saltasse para cem anos.

Nos EUA, isso significaria que passaria a haver um sujeito aposentado para cada duas pessoas no mercado de trabalho – na Suécia, haveria, na verdade, mais aposentados do que gente trabalhando.

Em 2030, a população mundial chegaria a até 11 bilhões de pessoas, em vez de 8 bilhões, como se projeta hoje.

O único jeito de lidar com essa situação "sui generis" seria uma reformulação radical dos sistemas de emprego e previdência social, diz Tuljapurkar.

"Seria necessário educar as pessoas para que elas passassem por mais de uma carreira profissional ao longo de suas vidas, ao contrário do que acontece hoje", diz ele.


Data: 20/02/2006