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Diálogo com o mundo

Parceria de um dos maiores ícones da era da tecnologia, o Google Earth, com os índios suruí, visa mobilizar a opinião pública sobre os problemas da tribo e a importância da preservação da natureza


A descoberta da internet pelo cacique Amir Suruí representou mais que a expansão das fronteiras culturais do líder da tribo Pater Suruí. Quando o índio, ainda desconfiado, acrescentou recursos tecnológicos às tradições de seu povo, deu um presente de valor imensurável a todos os que navegam pela rede mundial de computadores: a oportunidade de conhecer o modo de vida do grupo indígena, que vive na fronteira entre os estados de Mato Grosso e Rondônia.

Uma parceria entre essa comunidade e o Google Earth, firmada em 2008 e colocada em prática em outubro desse ano, tornou possível a localização das aldeias no globo terrestre e a divulgação dos costumes dos Suruí.

Depois de feito o mapeamento da área onde vivem os índios Suruí, foram incluídos ícones nas imagens do Google Earth que fornecem informações sobre, por exemplo, a fauna, a flora e os conflitos na região. Nada escapa às fotografias de satélites. Matas, rios, estradas de terra. O vasto desmatamento, latente em manchas marrons no mapa, choca e revolta Almir Suruí.

Para ele, a parceria é uma maneira de divulgar a valorização da cultura indígena e a importância da preservação da natureza, além de auxiliar na implementação de planos de gestão do território.

"No Brasil, ainda falta uma política bem estruturada, que permita um bom planejamento de territórios indígenas. Há muitos tipos de invasões ilegais e desordenadas por parte de madeireiros e caçadores às nossas áreas, e isso é ruim para os índios, para a floresta e, claro, para todo o mundo", afirma o cacique. O acordo com o Google, segundo Almir Suruí, tende a mobilizar a opinião pública e alertar os governantes sobre a importância de manter o meio ambiente intacto. "Nós somos conscientes dos nossos problemas", completa.

As dificuldades da tribo começaram há muito tempo. Os registros mais antigos apontam que o primeiro contato da sociedade civil com o grupo indígena ocorreu em 1969. Nos cinco anos seguintes, metade da população morreu ao contrair tuberculose, sarampo e hepatite B. Atualmente, estima-se que 920 índios da etnia vivam na região da fronteira entre Mato Grosso e Rondônia.

Lá, as aldeias sofrem com invasões de madeireiras ilegais e com a destruição da vegetação nativa. Liderados por Almir Suruí, os índios promovem o reflorestamento e a preservação da fauna local.

Valorização cultural

Ciente de que a luta contra os problemas de seu povo não era simples, o cacique procurou parceiros que investem na promoção da cultura indígena e na defesa das causas dessa minoria. A Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e ajudou no mapeamento cultural do território.

O presidente do órgão, Vasco van Roosmalen, destaca que o projeto do Google Earth é uma prova de que os índios estão buscando ferramentas tecnológicas para fortalecer seus valores socioculturais tradicionais.

"O primeiro contato com o Google foi feito pelo próprio povo Suruí, a partir do cacique Almir, que tomou conhecimento do site enquanto navegava pela internet. A partir disso, os índios tiveram a oportunidade de se reunir com representantes da empresa e de dar início ao trabalho com a atuação de diversos parceiros. Desde o início, os Suruí têm coordenado e liderado estas parcerias, da mesma forma que têm feito com o Google. Isso é muito importante para fortalecer o manejo e a cultura desses povos", observa Roosmalen.

O cacique Almir Suruí é internacionalmente conhecido pela defesa das causas do povo indígena. Neste ano, foi apontado com um dos 100 brasileiros mais influentes pela revista Época. Em 2008, recebeu o prêmio Defensor dos Direitos Humanos, em Genebra, Suíça, pelo desenvolvimento de um plano mundial de proteção à natureza. O líder não teme que o excesso de exposição possa prejudicar a tribo e entende que a tecnologia pode ser um caminho, inclusive, para consolidar uma política de geração de renda entre os índios Suruí.

"Queremos dialogar com o mundo. Para que isso traga benefícios ao nosso povo, precisamos ter cuidado para não divulgar informações que nos exponham negativamente e prejudiquem a imagem dos Suruí. É importante contar histórias da nossa tribo, mostrar que podemos dialogar com a sociedade civil", diz o cacique.

Almir Suruí também pretende mudar a opinião dos que acreditam que algumas regiões do Brasil só serão desenvolvidas com grandes obras. "É preciso acabar com a visão de que floresta no chão é sinal de desenvolvimento. Todos precisam apostar na economia verde."


(Correio Braziliense, 16/12)


Data: 16/12/2009