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23/05/05

Projeto revela origem rural do operariado no Nordeste

Promovido pelas universidades estadual, federal e federal rural do Rio de Janeiro e apoiado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), o projeto Memória Camponesa espalha seus frutos pelo Nordeste.

Depois de Natal (RN) e Carpina (PE), chegou a vez de Paulista, no município pernambucano, sediar seminário para registrar a história dos primeiros movimentos pelos direitos trabalhistas. Foram proferidos testemunhos de ex-trabalhadores da região, oriundos de diferentes localidades de camponeses e pescadores, assim como das greves e reivindicações entre os anos 50 e 70 do século XX.

Alguns ex-trabalhadores, militantes políticos das décadas de 50 e 60, falaram também de sua colaboração na constituição das Ligas Camponesas e sindicatos de trabalhadores rurais no início dos anos 60 em Pernambuco.

O veterano João Francisco da Silva, 65 anos, esteve presente no encontro, realizado no último dia 1º de maio, no Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Paulista. Durante 10 anos, João Francisco trabalhou na Cia. de Tecidos Paulista, que, nas décadas de 40 e 50, foi a maior fábrica do gênero do país, com cerca de 20 mil trabalhadores - inclusive os rurais.

Como outros membros da família, ele seguiu o destino do pai, que passou 44 anos atuando como operário têxtil na mesma fábrica. Mas a opção pela militância sindical, que data da primeira grande greve na Tecidos Paulista, em 1957, levou João Francisco a outros caminhos. Assim, participou do movimento Juventude Operária Católica que, nos anos 50, deu origem ao sindicato da categoria. Preso por motivos políticos, por duas vezes, ajudou ainda a criar a Ação Católica Operária, que se transformou no Movimento dos Trabalhadores Cristãos.

"Os trabalhadores de hoje não imaginam como era lutar por seus direitos e sobreviver naquela época. Daí a importância desse projeto para mostrar aos nossos filhos e netos toda essa história", afirma João Francisco.
"Os jovens de hoje não sabem como a gente era massacrado pelos patrões, trabalhando quase de graça e tendo ainda que enfrentar uma equipe de jagunços fardados, pagos para vigiar os operários, que não podiam nem pegar uma manga no pé, por se tratar de propriedade do patrão. As frutas apodreciam, mas ninguém podia pegar", continua.

João Francisco lembra da época em que a região era responsável por 60 por cento da produção de tecidos de todo o país. "A Cia. de Tecidos Paulista era a maior do Brasil e deu origem à rede das Casas Pernambucanas. O Nordeste chegou a ter umas 40 fábricas têxteis. Hoje, são apenas sete", lamenta.

Para Ivanildo Soares da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Paulista, de 50 anos, o projeto é importante para que as atuais e futuras gerações tenham conhecimento sobre as origens do município de Paulista, que surgiu justamente a partir da vila dos operários tecelões. Segundo ele, a grande maioria desses trabalhadores era constituída por famílias camponesas do interior de Pernambuco e estados vizinhos, o que serve para mostrar uma síntese da história da formação das classes operárias brasileiras.

"Tenho uma ânsia muito grande em preservar essa bela história de luta, de uma época em que os camponeses, incluindo menores, que, obrigados a mentir a idade, eram aliciados para irem trabalhar nas fábricas. Poucos conhecem isso. O projeto representa a oportunidade de juntar a experiência do passado com as de hoje e do futuro", afirma ele, observando que atualmente o papel do sindicato não é só lutar pelos direitos trabalhistas.

"O nosso sindicato é um grande ponto de referência na cidade porque hoje em dia nós compramos outras brigas e não apenas as nossas", explica.
Rosália Ferreira Alves Bezerra, 75 anos, foi uma das tantas menores que aumentou a idade para começar a trabalhar na fábrica de tecidos de Paulista. Tinha 12 anos ao ser recrutada, junto com duas irmãs mais velhas e várias primas, na praia de Pau Amarelo, em Paulista. Corria o ano de 1942 e Rosália continuaria no emprego até se aposentar, em 1967.

Em depoimento no encontro do dia 1º de maio, a ex-tecelã lembrou do orgulho em ter participado das lutas pelos direitos trabalhistas. Sua atuação no sindicato se deu durante a ditadura militar. "Era uma batalha muito dura, mas valeu a pena, pois a gente lutava por uma coisa que era nossa. Os operários achavam que estavam abrindo caminho para criar melhores condições de trabalho para seus filhos e netos, mas hoje, infelizmente, a maioria das fábricas está fechada e não há empregos para todos", observa. 

Sobre a importância do projeto, Rosália acrescenta: "Se não tivessem feito esse registro da nossa história, daqui a alguns anos cairia no esquecimento total".
A "sessão de memória" dos tecelões de Paulista foi gravada em vídeo graças à parceria do sindicato com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a TV Viva do Centro Luís Freire, de Olinda, e estará disponibilizado em breve a todos os interessados. Além de cenas do evento, o vídeo será enriquecido por depoimentos que já estão colhidos em entrevistas individuais.
Para o carioca José Sérgio Leite Lopes, professor visitante da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que coordena o projeto ao lado da também visitante Rosilene Alvim, é fundamental registrar a luta da primeira geração que enfrentou a legislação trabalhista, que batalhou por ela e que dela acabou se beneficiando, por meio de aposentadoria.

"O projeto é importante também por mostrar a origem rural do operariado brasileiro, em especial da região Nordeste. E ainda por mostrar a influência das lutas operárias entre os trabalhadores do campo, numa troca de experiências na qual os dois lados se fortaleceram", esclarece.

Com o objetivo de reconstituir a memória dos tecelões e tecelãs de Pernambuco, o projeto agregará depoimentos e eventos referentes à trajetória de trabalho e luta de ex-operários de Recife, Escada, Ribeirão, Caruaru e Camaragibe. Neste último município, por sinal, já existe um movimento para o tombamento da vila operária - uma das mais bem-acabadas da região.

Mais adiante, o projeto deverá incorporar também experiências de operários da parte industrial das usinas de açúcar.

Fonte: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

 

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